“Não é uma questão de morrer cedo ou tarde, mas de morrer bem ou mal”

Camila Appel

A frase do título desse post é do filósofo Sêneca. Encontrei-a no portal on-line Testamento Vital. Criado por Luciana Dadalto, ele é o mais completo do tema no Brasil. O site oferece informações sobre esse instrumento, além de um banco de dados para cadastro de testamentos vitais, o Rentev – Registro Nacional de Testamento Vital, onde o solicitante pode arquivar o testamento vital, gratuitamente e gerar um código de acesso para que uma pessoa de confiança (amigo, familiar ou profissional de saúde) possa acessá-lo quando for necessário.

Apesar do nome remeter a testamento, eles não se relacionam. Testamento vital é uma tradução, não muito bem feita, do termo referente em inglês “living will”. Esse “will” está relacionado à vontade, mas a palavra também pode ser traduzida como testamento, por isso a leve confusão. “Living will” seria “vontade em vida” pois essa é uma ferramenta para manifestar vontades sobre tratos médicos no final da vida. Já o testamento, dispõe sobre sucessão patrimonial. Mas a tradução foi feita dessa forma e aqui no Brasil, o famoso “living will” americano é conhecido como testamento vital.

Uma possível semelhança entre testamento e testamento vital é a de poderem evitar brigas entre descendentes, já que sem um testamento vital, filhos, sobrinhos e netos podem discordar sobre quais procedimentos tomar. Essa ferramenta evitaria, assim, desgastes familiares, tanto emocional quanto financeiro.

 No Brasil, eutanásia e suicídio assistido são considerados crimes. Falei mais sobre esses conceitos no meu post: Um dia para Morrer. Mas o testamento vital é aceito e deve ser seguido pelo médico, desde que não vá contra a lei e contra o Código de Ética.

 A definição oferecida pelo portal segue abaixo:

 “O testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade”. Ele terá validade quando a pessoa estiver em situação de fim de vida, estado vegetativo persistente ou uma doença terminal, por exemplo.

 Um exemplo prático é pedir para não fazer quimioterapia no caso de câncer terminal ou ser colocado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

 Uma dificuldade está em se definir o que é “pleno gozo de suas faculdades mentais”, pois não englobaria pacientes com demência ou em depressão. Uma pessoa com tendência a Alzheimer, por exemplo, deveria escrever o testamento vital antes dos sintomas se apresentarem, mas alguns autores defendem que pode ser feito mesmo no início da doença. É uma linha difícil de ser definida. Sobre a depressão, fiz uma entrevista com o médico e psico-terapeuta João Figueiró, disponível nesse link.

A articuladora deste instrumento, Luciana Dadalto é advogada, fez mestrado em direito privado e doutorado em medicina. Ela sempre se interessou pela relação entre direito e medicina. Um dia, se deparou com um texto originalmente espanhol, sobre testamento vital, e ficou intrigada com a falta de conhecimento sobre essa ferramenta no Brasil. Luciana motivou-se a explorar o tema e trazer seu conhecimento a público, assim como trabalhar na conscientização de sua importância. Interesse pelo público há, porque seu livro “Testamento Vital” já está com a segunda edição esgotada.

 Manifestação de vontade em outros países

 Nos Estados Unidos, há outros documentos de manifestação de vontade, além do living will, que tratam de outras situações além das de fim de vida, como um câncer não terminal e aneurisma cerebral. São chamados de POST, e consistem em documentos de aceitação e recusa de tratamento.

 Nos países onde a eutanásia é permitida, como Bélgica e Holanda, o testamento vital pode abordar essa questão, explicitando-se a vontade de optar pela eutanásia em algumas situações.

 

Patinando no Brasil

 Apesar de seus esforços, Luciana acredita que ainda patinamos no Brasil. Numa linha evolutiva de zero a dez, ela diz que estamos no patamar um. Um dos fatores para isso é uma perspectiva religiosa e moralista que impede uma discussão objetiva sobre os diretos do ser humano.

Outro motivo é a de falta de informação. Muitas pessoas acreditam que o testamento vital vai contra a lei, por associa-lo à eutanásia, mas essa é uma percepção errada. Ele parte do principio que o paciente já vai morrer e a única coisa que ele quer é morrer de uma forma digna, com autonomia para escolher como quer chegar até o final de sua vida. “A ideia é permitir que as pessoas que queiram se utilizar disso, se utilizem. Não é uma obrigatoriedade”, ela diz.

Como fazer um testamento vital?

O passo-a-passo de como fazer um testamento vital está descrito no link: testamentovital.com.br/informações, segundo infográfico abaixo.

infografico_Testamento_Vital