Uma edição só para ela
A revista eletrônica de jornalismo científico, Com Ciência é uma publicação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. É uma publicação temática, a cada mês escolhe-se um tema que seja de interesse público e permeie as diversas áreas do conhecimento.
O tema da edição de novembro é a morte, em homenagem ao Dia de Finados. Todo seu conteúdo pode ser acessado aqui. A página principal da edição é ilustrada com um fragmento de um mural de Diego Rivera: “Sueño de una tarde dominical en la Alameda Central”. O artista representa a morte como um esqueleto feminino, de chapéu luxuoso, figura conhecida como La Catrina e ícone do Dia dos Mortos no México. Ele está desenhado como um menino ao lado da La Catrina e Frida Kahlo logo atrás, segurando o símbolo do yin yang (foto abaixo). Esse é um dos temas abordados nessa edição.
Rodrigo Cunha trabalha na revista desde sua fundação, em 1999. Começou como repórter e hoje é editor. Ele acredita que a vantagem de ter edições temáticas é poder abordar o tema com maior profundidade, sob a ótica de diversas áreas do pensamento, que acabam por se complementar. Ele se interessou em como essas áreas permeiam a morte e se surpreendeu em ver os diferentes pontos de vista. A edição percorre a filosofia, relacionando nossa atual concepção da morte com os princípios do capitalismo, a arqueologia, biologia, antropologia e psicologia. Também toca em assuntos polêmicos, como doação de órgãos e o papel das redes sociais e das novas tecnologias na morte. Menciona estatísticas, como as principais razões de óbito no mundo e números relacionados ao suicídio. Oferece um curioso artigo sobre a evolução da representação dos zumbis no cinema e eu destaco a reportagem sobre a morte na literatura, passando por autores como Dostoievski, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Saramago, entre outros.
Uma pauta que não seguiu adiante foi a relação da tradição dos suicídios dos samurais japoneses com um estudo sobre o alto índice de suicídios no Rio Grande do Sul. A cultura oriental dos Samurais vê esse ato como uma defesa da honra, mesmo motivo que poderia estar por trás dessa realidade nesse estado brasileiro.
Algumas dificuldades na edição foi o tratamento do tema da eutanásia, que ficou um pouco superficial, e o artigo de “bioética e religiosidade” que acabou se tornando um texto religioso, focado mais no ponto de vista cristão da morte e suas simbologias, ao invés de tentar relacionar uma área com a outra.
A edição divide-se em reportagens, artigos, uma resenha, uma entrevista e um poema.
A seção de reportagens inicia com um artigo sobre doação de órgãos, questões éticas e legais e seus desdobramentos, como a definição de morte encefálica (necessária para a doação), e a polêmica da doação presumida versus doação declarada. Na presumida, parte-se do princípio de que o falecido seja um doador a não ser que expresso o contrário. Na declarada, ele não é considerado um doador a priori e precisa de autorização da família para que ela seja feita. A lei vigente hoje no Brasil é a de doação declarada devido a polêmicas envolvidas na presumida. Mas há indícios de que a doação presumida resulta num número maior de doações.
A história que os mortos contam fala sobre autópsia, passando pelo curioso caso de Napoleão Bonaparte. Ele teria pedido a seu médico que fizesse uma autópsia nele, revelando um avançado câncer de estômago e contrariando teorias da conspiração de que Napoleão teria sido envenenado pelos ingleses. Foi o primeiro registro do termo autópsia. Também explora o uso de novas tecnologias para a identificação de cadáveres, como DNA, esmalte dos dentes e a tendência para o uso de técnicas não invasivas.
A arte de festejar e ritualizar a morte aborda a celebração mexicana do Dia dos Mortos, passando por uma ótica artística (com Frida Kahlo e Diego Rivera), para uma psicológica e histórica. Também explora como as religiões africanas e afro-brasileiras veem a morte e os rituais fúnebres. Assim como a adaptação desses rituais no Brasil e sua união com o catolicismo. É comum no candomblé, por exemplo, realizar-se o Axexê – rito funerário do candomblé, seguido do católico, exemplificando o sincretismo que há em nosso país. Falei um pouco do dia dos mortos e do Halloween aqui.
O direito à morte fala de eutanásia, ortotanásia, distanásia, suicídio assistido, cuidados paliativos e bioética. Pincela os conceitos e algumas de suas polêmicas. Falei um pouco sobre essas discussões em dois posts até agora. Veja aqui um depoimento sobre uma residente brasileira que foi à Holanda acompanhar a eutanásia da sua mãe e aqui a entrevista com o médico clinico e psicoterapeuta Dr. Joao Figueiró.
Morte em números, as principais causas de óbitos no Brasil e no mundo constata que morrem cerca de 150 mil pessoas por dia no mundo. A principal causa é problemas do aparelho circulatório. Entre os jovens brasileiros, as principais causas são homicídios, acidentes de trânsito e suicídios. No período de 1980 e 2012, houve um aumento de 164% de casos de suicídios.
Entre os artigos, destaca-se Uma nova forma de luto: os efeitos da revolução tecnológica, sobre o luto na era das mídias sociais. “as redes sociais tem se mostrado como um espaço no qual o enlutado pode dar voz a seu sofrimento”. O luto não seria aceito na vida ao vivo (chamada de off-line no artigo), causando constrangimento, enquanto que na vida online, como no Facebook, sim. Há cerca de 375 mil usuários do Facebook que morrem anualmente e a discussão do que fazer com esses perfis ainda está principiante. Por exemplo, o Facebook tem uma ferramenta que possibilita transformar o perfil de um ente falecido em “memorial” para evitar constrangimentos como continuar aparecendo o lembrete de seu aniversário. Rituais funerários também estão aderindo ao mundo online, na medida em que podemos ver missas, cultos e velórios pela internet.
Há uma resenha da autobiografia “Os verbos auxiliares do coração” de Péter Esterhazy, sobre a morte de sua mãe e uma excelente entrevista com a psicóloga Maria Julia Kovacs, pioneira e referência no estudo da morte e do luto, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM) da USP.
A revista fecha com um poema de Carlos Vogt e consegue ser bem sucedida na difícil tarefa de explorar o tema da morte, abordando bons pontos de vistas e apontando para algumas de suas fundamentais discussões.
Em dezembro, o tema da revista será o prêmio Nobel, com um artigo interessante sobre a história do prêmio, fundado por Alfred Nobel. Ele fez fortuna com sua invenção: a dinamite. Incomodado com a fama de ter feito dinheiro ás custas de algo que mata (seu próprio irmão morreu numa explosão), destinou todo seu dinheiro para um prêmio voltado a pessoas de destaque que fizessem uma contribuição à humanidade. Daí surgiu o prêmio Nobel. A edição também abordará as mulheres vencedoras e casos inusitados como pessoas que ganharam e depois tiveram suas teorias derrubadas.
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