Tecnologia e morte: inovação em cemitérios com o QR-code

Camila Appel

Observação: no último post do blog (9/11) “Como escrever seu próprio obituário”, falei sobre essa escrita como um exercício e convidei os leitores a me enviarem os seus. Na terça-feira que vem, publicarei os textos encaminhados – com a devida permissão e de forma anônima ou identificada, conforme a vontade de cada um.

Vamos ao tema de hoje:

O QR-code é um código de barras bidimencional, em formato quadricular. Com um aplicativo, baixado gratuitamente no celular ou tablet, é possível escanear esse código e acessar suas informações.

Ele vem ganhando espaço em um lugar que de moderno a primeira vista não tem nada: o cemitério. Impresso em uma tag de aço inox, o QR-code pode ser fixado em túmulos para registrar memórias, histórias e momentos marcantes dos falecidos.

A empresa Memoriall, uma fornecedora desse serviço, fez uma parceria com a Prefeitura de São Paulo para divulgar os cemitérios da Consolação, o São Paulo, o Araçá e o Vila Mariana. A iniciativa conta em gravar informações como biografia, fotos e vídeos de personalidades históricas enterradas nos locais.

Ricardo Marques, fundador da Memoriall (em 2012) já trabalhava com QR-codes e percebeu uma oportunidade: o registro de legados. “Vi que as pessoas estavam fazendo isso com as redes sociais, como o Facebook, mas a internet é muito grande, com o passar do tempo a memória se perde”, diz.

Adquirindo o serviço, um cliente pode registrar a biografia do morto, sua árvore genealógica, depoimentos, vídeos, fotos e mensagens, codificados nesses QR-codes.

Outra ferramenta é o chamado “guardião de segredos”. O cliente grava segredos no sistema que serão enviados após sua morte a pessoas previamente escolhidas. A Memoriall também oferece, em parceria com a editora Biográfa, a impressão de livros biográficos.

Em caso de cremação, os QR-codes podem ser fixados na urna das cinzas. Ainda há a sugestão de colocar o código em qualquer lugar da casa, como em uma parede, porta ou mesmo em um quadro com o retrato do morto, por exemplo.

A Memoriall tem sido chamada para realizar o serviço em pets, registrando informações sobre a história do animal e suas fotos com a família.

Ricardo comenta o crescimento de seu negócio: “É um mercado difícil de pegar porque o brasileiro tem receio de falar sobre a morte, mas nossas vendas tem crescido 50% ao ano. Hoje temos 1500 tags cadastradas e gostaríamos de nos tornar uma consulta online de nomes sepultados”. Como promoção de final de ano, oferecem o serviço de forma gratuita.

Outras iniciativas pipocam pelo estado. Em Itapetininga (SP), alunos da Fatec (Faculdade de Tecnologia) instalaram QR-codes em túmulos de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e da Revolução de 1924, 1930 e 1932, que estão enterrados no cemitério da cidade. O Cemitério da Saudade, em Sorocaba (SP), também adotou a tecnologia.

O projeto “Amigos para Sempre”, uma iniciativa privada que atende todo o Brasil, instalou os QR-codes em cemitérios como o do Cajú e o Cemitério São João Batista, ambos no Rio de Janeiro. O projeto também desenvolve visitas guiadas nos dois locais, com o professor Milton Teixeira, passando por túmulos de personalidades como Carmem Miranda, Santos Dumont, Cazuza e Tom Jobim.

Edvaldo Silva, o idealizador do projeto, menciona a vertente cultural da iniciativa, por levantar os pontos históricos dos cemitérios e também “a oferta de uma homenagem por parte dos que gostariam de eternizar a história da família”, diz.

A produtora cultural Ana Werneck solicitou esse serviço junto à Memoriall para homenagear a memória do pai. “Eu não quero que a vida dele caia no esquecimento. Sempre fui extremamente apegada a ele, e essa foi uma forma de manter essas memórias vivas – especialmente relatos sobre sua personalidade, o que ele realizou em vida, o carinho e amor imensurável com a família, sua generosidade… Quero deixar essas informações como um legado para a minha família. Eu quero que meus filhos e netos saibam quem ele foi, como ele era especial e como ele é um ótimo exemplo de pai, esposo, e amigo. Algo que me motivou também foi o fato dos meus dois sobrinhos já não se lembrarem mais dele, e eu acho importante eles terem esse conhecimento. No fim das contas, os únicos que vão lembrar de você algum dia serão membros da sua família”.

Há sites gratuitos que criam esse tipo de código. Um deles é o Kaywa. Pode ser útil no caso já se tenha uma página online própria a ser direcionada pelo código.

QrcodeMemoriall2
leitura do QR-code – foto fornecida pela empresa Memoriall
QrcodeMemoriall3
QR-code fixado em um túmulo – foto fornecida pela empresa Memoriall