Vida e morte pelo Facebook

Camila Appel

Segue o depoimento de Luzia Scarcelli Moré Borges – “34 anos, funcionária pública municipal, advogada, mãe por duas vezes e espírita”, como ela se define na assinatura do texto.

“Aproveitando o ensejo de nossa abnegada autora Camila Appel, tomei a iniciativa de escrever à coluna. Não que me auto intitule como apta a ter um texto publicado em um veículo como a Folha, mas por mera ousadia mesmo. Vai que dá certo? Então, vamos lá?

Sempre acompanhei a coluna pelo Facebook. É impressionante como as redes sociais lhe dão a possibilidade de estar antenado aos acontecimentos – do mundo e da vida dos outros. E justamente por acessar esse meio de comunicação constantemente, ficamos “sabendo da vida dos outros” mesmo sem quer. Ou da morte. Vi uma nota em um dos feeds de notícias dos jornais que curto estes dias. Era algo como “Em 2028, Facebook terá mais mortos do que vivos”. Não cheguei a ler, mas já imaginei o porquê: os mortos se vão e, como não levam nada consigo, o perfil do Facebook fica em aberto, recebendo mensagens e sendo atualizados por aqueles que o acessam e deixam posts, de saudades, de pesar e até mesmo de felicitações de aniversário! (oi?)

Sim, felicitações. Como recebemos via notificações as informações de nossos “amigos” virtuais, somos lembrados de seus aniversários. Mas gente, perai, a pessoa morreu! Ela não está mais no mundo dos vivos, não posta mais, não curte mais, não compartilha mais e o Facebook não percebeu? Não, ele não percebe. E o “amigo” virtual também não. Porque não é amigo. É conhecido. E isso segue até que alguém perceba e denuncie a conta. Ou nosso amigo falecido continua aniversariando eternamente.

Em quinze dias, perdi dois “amigos” virtuais. Eram dois homens, de idades diferentes. Um com 61 anos, vivido, pai de família, excelente profissional, excelente pessoa, com quem tive contato apenas na fase final de sua vida, mas de quem tenho excelente referências. Faleceu em virtude de complicações oriundas de um câncer, que, embora agressivo, pode ser tratado por cerca de cinco anos. O meu outro “amigo” virtual era um jovem de 35 anos. Lindo. Bonito mesmo, daqueles rapazes que a gente olha e pensa: nossa que moço bonito! Também tive convívio com ele, mas em outra época, na adolescência. Faleceu por conta de complicações decorrentes de um choque séptico, que o havia deixado em estado semivegetativo há dois anos. Pedaço de vida sofrido. Não desejo a ninguém.

Em ambos os casos, acessei os perfis. Havia várias mensagens, de saudades, de tristezas e alegrias. Algumas fotos foram postadas após as passagens e meus “amigos” foram marcados por outros “amigos”. Pensei: será que esta seria uma forma de mantê-los vivos? Afinal, morte é renascimento. Não sei. Como espírita atuante, acredito nisso. Morte é renascimento. Não penso que estamos perdendo, mas mudando de plano. E essa mudança dói, muito. Ainda bem que temos o Facebook para nos lembrar que nossos mortos também aniversariam”.

Saiba mais sobre morte no Facebook no post “A nova vida após a morte – no reino do Face”