Entre o ceticismo e a fé

Camila Appel

A jornalista e mestranda em Comunicação Social pela UFMG, Juliana Ferreira, enviou ao blog o arrepiante depoimento abaixo. Ela nos relata casos de mediunidade, em experiências que tem desde os dois anos, e confidencia um dilema comum: oscilar entre dois extremos – o ceticismo e a fé.  “Alguns filósofos contemporâneos defendem que a sociedade de hoje é sim compatível com uma crença, que não é ignorante quem crê. Enquanto tento criar essa ponte, fico no limbo, entre meu forte ceticismo e minha aceitação da mediunidade”.

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“Entre o ceticismo e a fé

Por Juliana Ferreira

Os fenômenos tiveram início cedo. Numa noite fria e chuvosa de 1992, quando eu tinha apenas dois anos, em Pirassununga, no interior de São Paulo. Minha mãe viu o que estaria por vir. Brincava em seu colo, quando exclamei de repente: “mãe, o lobo mau está do seu lado!”. Não havia mais ninguém em casa e o arrepio dominou seus braços, o que a fez ir para varanda comigo, naquela noite gélida, até que meu pai chegasse. Muitos podem dizer que se tratou apenas de imaginação infantil. Mas, ao longo dos anos, foram muitos os casos que me amedrontaram. Só consegui dormir de luz apagada aos 18 anos. Sem falar nas noites que tremia de medo e obrigava minha irmã a deitar bem abraçada a mim.

Quando comecei a perceber pensamentos que não eram meus, achei que estava louca. No entanto, tais vozes me ajudaram a sair viva de um assalto em que fui feita refém (anos mais tarde, minha amiga disse ter visto sua avó ao meu lado), previram a morte do meu avô e me contaram que meu cunhado seria roubado. Sem falar nas intuições bobas do dia a dia, como a queda de um copo ou um tropeço. Tudo isso reforçou o grande assombro que desde sempre nutri pela morte. Nunca me vi capaz de me relacionar com ela.

Nascida em berço espírita, doutrina que se pretende reveladora da vida após a morte e da reencarnação, nunca consegui de fato me apegar à crença. Sempre duvidei da existência de algo no lado de lá. E tal dúvida se intensificou quando entrei para o mundo acadêmico. Nietzsche, Durkheim e tantos outros não ajudaram. Cheguei a me declarar ateia. Até que a iminência da morte apareceu.

À meia-noite de um dia de abril de 2013, quando era trainee desta Folha, em São Paulo, minha respiração começou a falhar, meu coração foi na boca, que ficou seca; arrepios, tremor e uma sensação de esvaziamento na cabeça. Tinha certeza de que estava morrendo. Minha pressão foi a 21 por 17. No pronto-socorro, o eletro não acusou nada. O diagnóstico médico não demorou: transtorno de ansiedade. Mas o antidepressivo e o ansiolítico apenas amenizaram o problema. Logo, comecei a sentir presenças, a ouvir pensamentos, a ter medo.

Aderi à terapia, que me mostrou a possibilidade de me abrir para outros caminhos que não o do ceticismo. Aceitei e fiz um tratamento espiritual. O diagnóstico do espiritismo eu já suspeitava: mediunidade. Resolvi encarar. Entrei em transe, saí do corpo, incorporei espíritos, fui a outros planos. Senti alívio e aprendi a controlar minhas crises. Mas ainda há uma ponta de dúvida sobre a veracidade de tudo isso. O medo da morte ainda é latente e me assombra diariamente.

O esforço de aliar meu conhecimento científico ao espírita tem ajudado. Alguns filósofos contemporâneos defendem que a sociedade de hoje é sim compatível com uma crença, que não é ignorante quem crê. Enquanto tento criar essa ponte, fico no limbo, entre meu forte ceticismo e minha aceitação da mediunidade. Não me canso de perguntar se não sou apenas mais uma paciente psiquiátrica. Nesse cenário, a morte continua uma ameaça, porém mais branda e indolor”.

Juliana é jornalista e mestranda em Comunicação Social pela UFMG. Foi trainee da Folha em 2013.

Contato: juckel@gmail.com