É preciso reconhecer o medo
“Esse pensamento tem a ver com o medo, com a segurança pública no centro da pauta, todo dia. Esse medo acaba fazendo as pessoas toparem abrir mão de direitos quando alguém promete alguma mudança milagrosa. Temos que reconhecer o medo, dizer que ele é válido e compartilhado. As pessoas estão carentes desse acolhimento, mas temos que ter um debate sério sobre o que funciona e o que não funciona”.
Bruno Langeani em reportagem do Nexo: Como falar com quem acha queMarielle merecia morrer por “defender” bandido”.
Não há o que falar com uma pessoa que faz um comentário sob um pseudônimo da UOL, comparando a luta por direitos humanos a uma apologia, ou conivência, com a violência. Ao mesmo tempo, é necessário explorar o sentimento que está na base de tudo isso, e que une tanto a direita quanto a esquerda, se é que essa divisão possa ser feita. Esse sentimento é o medo.
O assassinato de Marielle e Anderson alimenta medos. Ele mostra para aqueles que estão lutando contra a violência que ela não pode ser abafada. E o medo é a maior das armas políticas, ele é capaz de fazer uma pessoa mudar de opinião em segundos. Ele é o instinto que nos fez sobreviver como espécie.
Porque, no fundo, somos muito frágeis. Não temos uma pele grossa e impenetrável como a do elefante, não temos garras que cortam como as do leão, nem dentes afiados como os do crocodilo, ou o veneno letal das cobras. Mas temos a consciência disso tudo. A consciência dessa fragilidade foi essencial para que o medo guiasse nossa evolução.
Mas já não precisamos dele. Não é o medo que nos fará evoluir. É preciso reconhecer esse medo para podermos abrir mão dele. Senão, o que vai nos dizimar como espécie será sua manipulação. Como aconteceu, e ainda ocorre, em guerras e genocídios.
Ao mesmo tempo, a falta de espaços para a discussão de sentimentos considerados negativos acaba sendo prejudicial. O medo da morte, a depressão, a angústia, os pensamentos suicidas, as dificuldades de relacionamento, o luto por um parente, por um animal de estimação, um luto de gestação, até da perda de um emprego. O luto por um ideal que não se concretizou. Essa frustração é muito dolorida e me parece estar aumentando a cada dia. Se não falarmos a respeito, ela cresce, se fortalece e solidifica. A falência de uma expectativa. Expectativa nossa e dos outros a nosso respeito. Real ou suposta.
A falta de espaço para esse tipo de discussão alimenta o maior medo de todos, que é o medo da violência, do assassinato. O medo de sermos vítimas da crueldade que sabemos existir no ser humano.
Corro o risco de soar meio auto-ajuda, mas não tenho alternativa. Acredito que seja necessário reconhecer o medo e falar abertamente sobre ele. Só assim ele poderá se dissipar e parar de nos guiar às cegas. A meu ver, esse movimento ocorre em paralelo a uma discussão prática sobre como lidar com uma situação tenebrosa que já dá indícios de ameaçar a democracia, apontando para a situação extrema do controle do medo, que é a oficialização de um combate, a guerra.
Entrevista com a advogada, especialista em direito criminal, Luiza Nagib Eluf.