Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Querida, virei um LP https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/08/01/querida-virei-um-lp/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/08/01/querida-virei-um-lp/#respond Mon, 01 Aug 2016 16:49:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1043 Uma possibilidade pouco explorada para o destino das cinzas da cremação é prensá-las em um disco de vinil  -também conhecido como Long Play em inglês, por isso a sigla LP. A empresa inglesa “And Vinyly” é uma das mais conhecidas do ramo. O pacote básico conta com a produção de 30 discos e sai por £3000 libras. Cada disco dura 24 minutos, 12 de cada lado. Extras incluem ilustrações feitas sob encomenda, templates musicais criados para acompanhar uma gravação de voz e músicas originais desenvolvidas especialmente para o cliente. É possível ter seu vinil distribuído em lojas de LPs ao redor do mundo e oferecer apenas uma parte do corpo cremada (caso você prefira que o resto seja enterrado, por exemplo). A empresa também aceita animais.

E o que se grava no LP? Você pode escolher uma playlist de músicas, gravar um depoimento seu sobre a história da família, casos engraçados, um testamento falado ou escolher não gravar nada – para apenas escutarem o som produzido pelas cinzas do vinil passando pela agulha da vitrola.

A revista eletrônica AEON divulgou hoje (01) um vídeo sobre o fundador da “And Vinyly”, Jason. Ele conta ter crescido ouvindo histórias sobre como as cinzas de seu tataravô foram arremessadas ao mar, mas com o vento, acabaram pairando sobre o deck. Com seu avô a coisa foi parecida.

Jason se encheu do vento atrapalhando o destino das leves cinzas e fundou a “And Vinyly”. O vídeo mostra como o processo é feito – as cinzas são jogadas no vinil (um material plástico) antes dele ser prensado, e oferece momentos de reflexão:“O bom da morte é que ela faz você viver, te leva a tentar fazer o máximo com o que tem”.

Jason já pensa no que colocaria em seu próprio disco: uma mistura de músicas com depoimentos pessoais. E acha essa preparação benéfica. “É triste ouvir as pessoas dizerem que somente quando estão próximas da morte é que resolvem começar a realmente viver. Eu comecei a pensar que, talvez, se fossemos mais expostos à morte, ou a planejássemos um pouco antes, poderíamos ter uma vida melhor”, diz.

O disco teria uma função emocional e histórica: “É algo que sua bis-bis-bisneta poderá ver, ouvir, ler a capa, e aprender um pouco sobre você, sobre sua época”.

Opções curiosas de uso para as cinzas têm surgido. Em entrevista para a TV Folha, Mylena Cooper, do Crematório Vaticano, diz ter em mãos uma inovação: misturar cinzas a fogos de artifícios. Ainda há outras opções, como unir tecnologia com arte – ter um quadro pintado com suas cinzas e um QR-Code instalado na moldura direcionando para uma página na internet com sua biografia e vídeos, por exemplo, transformar cinzas em cristais ou diamantes e, claro, a  mais racional e útil de todas – doação do corpo para estudos. Veja como nesse link.

Leia mais sobre essas e outras opções na seção “o que você quer ser quando morrer”, do blog.

Atualização em 2 de agosto: a empresa “And Vinyly” me informou que aceita encomendas internacionais e pode enviar para o Brasil. É possível fazer o pedido pelo e-mail: theundertaker@andvinyly.com

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Crematório transforma cinzas em joias para o Dia das Mães https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/05/07/crematorio-transforma-cinzas-em-cristais-para-o-dia-das-maes/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/05/07/crematorio-transforma-cinzas-em-cristais-para-o-dia-das-maes/#respond Sat, 07 May 2016 23:48:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=928 O que fazer com as cinzas após a cremação ainda é uma questão para muitas famílias. As alternativas mais exóticas são pouco divulgadas, como o envio de cinzas para o espaço (por meio de um serviço da Nasa e custa em torno de 5000 dólares), fogos de artifícios (vovô espalhado em Copacabana no reveillon), quadros com uma imagem escolhida (a técnica chama arte picto-crematória, eu já vi um lindo quadro com o “O Beijo”, de Klimt), diamantes feitos com o carbono do corpo humano, plantar uma árvore, confeccionar um disco de vinil com uma empresa muito doida, ou não cremar o corpo e doá-lo para ciência, para uma exposição sobre o corpo humano, mumificar, etc. Leia mais sobre essas e outras opções na secção O que você quer ser quando morrer, do blog. No post Como ocorre a cremação há um exemplo de um processo crematório no estado de São Paulo.

O Crematório Vaticano lançou uma proposta inovadora para esse Dia das Mães. No domingo (8), haverá um evento com um artesão especializado confeccionando peças de cristais fundidas com as cinzas da mamãe falecida. Uma forma de eternizar  a progenitora, mantê-la perto do coração simbolicamente, uma homenagem bonita. Imagino que muitas mães e avós sorririam com a possibilidade de virar uma joia depois da morte. Fica a dica.

A transformação de cinzas em diamantes já é uma técnica conhecida, mas muitas vezes ignorada pelo preço. Uma empresa que faz o serviço com diamantes é a Brilho Infinito. O Crematório Vaticano também produz diamantes. São usadas 300g de cinzas, levadas a um processo físico e químico para separar o carbono das cinzas. O carbono é submetido a altas temperaturas e pressão por 3 meses. O carbono vai se transformar em grafite e posteriormente, em diamante. A pedra vai aumentando de tamanho dependendo do tempo que permanecer no processo. Após esse tempo, é enviado para lapidação de acordo com o formato escolhido pela família.

Mylena Cooper, diretora do Crematório Vaticano, considera a alternativa do cristal mais barata e mais rápida. O cristal custa 600 reais e fica pronto em 1 mês. O diamante custa 20 mil e demora 3 meses. Mylena afirma ter patenteado o produto do cristal com as cinzas no Brasil. É possível escolher as cores e o formato do pingente ou optar por peças decorativas e esculturas de qualquer formato, como corações, anjos, animais, instrumentos musicais, etc.  A fusão se dá a 1.500 C, onde a peça é modelada. É possível escolher o tamanho também.  Como são usadas 20g de cinzas, a família pode fazer diversas peças (uma para cada filho, sobrinho, amigo, etc) ou dar outro destino para as cinzas restantes.

O Crematório Vaticano fica no Paraná (com filiais em Santa Catarina), mas envia os cristais e diamantes para toda a América Latina.

A autonomia sobre o próprio corpo é uma discussão que permeia diversas esferas e tem alcançado essa daqui: o que você quer ser quando morrer. Decidir sobre como deseja vivenciar o fim da vida, como gostaria de morrer, discutir um testamento vital, ou mesmo desabafar sobre o luto no maior confessionário dos nossos tempos, o Facebook.

 

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diamante produzido pelo Crematório Vaticano
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Diamante produzido pela Brilho Infinito
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Pingentes de cristal com cinzas, produzidos pelo Crematório Vaticano

 

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escultura de cristal confeccionada com cinzas – produzido pelo Crematório Vaticano

 

 

 

 

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Uma dama na morte https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/07/08/uma-dama-na-morte/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/07/08/uma-dama-na-morte/#respond Wed, 08 Jul 2015 11:58:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=575 Sua família começou com uma pequena fábrica de caixões, em 1920. Hoje, na terceira geração, expandiu para virar o Crematório Vaticano, com unidades no Paraná e Santa Catarina. A diretora funerária Mylena Cooper conta como foi crescer brincando de se esconder em caixões e quando começou a perceber que seu cotidiano não era considerado normal pela sociedade.

Entrevista com Mylena Cooper, transformado em depoimento para o formato “Minha História” – matéria publicada no caderno mercado da Folha em 07.07.15.

O negócio da família começou com meu avô, que fazia engradados de madeira para condimentos. Até que um dia, faleceu um de seus vizinhos e pediram para que ele fizesse um caixão com a madeira usada nos engradados. Ele aceitou e passou a investir em caixões. Eram entalhados à mão, com desenhos de flores. Quando meu avô percebeu que o negócio não dava dinheiro porque todo lucro ficava nas mãos das funerárias, ele comprou uma funerária. Inicialmente, tinha o nome Cooper, que é o sobrenome da família, para depois se tornar a funerária Vaticano e, hoje, o Crematório Vaticano. O sobrenome Cooper significa “fabricantes de caixões” em irlandês, por isso há uma tradição na Europa das famílias Cooper fabricarem caixões. É uma coincidência.

Eu lembro de brincar de esconde-esconde com meus primos nos caixões. Tinha uma época que guardávamos caixões em casa. O estoque era grande porque a empresa ainda era muito pequena e não havia outro lugar para colocá-los. Algumas crianças se assustavam. Tenho amigas que até hoje lembram de chegar em casa e ver caixões no jardim. Hoje sei que o caixão assusta as famílias, mas para mim era, e ainda é, algo muito natural.

Foi na adolescência que eu comecei a perceber que minha família era diferente das outras. Um dia, a professora perguntou onde meu pai trabalhava. Eu disse: funerária. Ela me corrigiu: não, ele trabalha numa funelaria, nunca mais diga funerária. Ela achou que eu estava confundindo e não queria entender. Meus pais tiveram que ir lá explicar.

Fiquei muito tempo com vergonha de falar que minha família trabalhava nesse ramo. Mas chegou um dia em que percebi que o assunto na mesa de jantar era só esse: o trabalho na morte. Eu tinha 16 anos quando decidi entrar na empresa também. Meu irmão, com 18, já trabalhava lá, junto com meu pai, meu avô, minha mãe… Comecei vendendo planos funerários, aí fiz curso de preparação de corpo, de maquiagem, e acabei passando por todos os setores da empresa. Uma das coisas que fiz muito foi ser a DJ do crematório – eu selecionava as músicas para o velório e para a cerimônia de cremação.

Lembro de as pessoas ficarem assustadas quando eu falava do meu trabalho e algumas achavam nojento. Brincadeiras sempre tinham (e ainda tem) porque é o modo do brasileiro de lidar com a morte. A educação que meu pai me passou foi que nosso trabalho é o de tornar mais fácil o momento mais difícil da vida das pessoas. É um trabalho digno.

Hoje todo mundo já conhece meu trabalho e valorizam o que eu faço. Meu pai, Edson Cooper, é muito respeitado. Ele é bem empreendedor. Na primeira possibilidade que teve começou a ir em congressos. Hoje ele participa de três congressos internacionais por ano e dois nacionais. Ele não falava inglês e não entendia as feiras funerárias, mas com o tempo foi aprendendo. Sempre se espelhou nos países mais desenvolvidos. Ele trouxe a cremação para o sul do Brasil, há quinze anos, quando a cremação não era comum, com a consciência de que ela é uma alternativa mais econômica, prática e polui menos o meio ambiente.

Ele inovou em outros aspectos, como o de usar poltronas confortáveis ao invés das cadeiras duras e na instalação de ambientes climatizados, além do oferecimento de lanches para as famílias durante a cerimônia.

Um dos maiores legados do meu pai é a tanatopraxia – um conjunto de técnicas de conservação do corpo, que retarda sua decomposição. Foi ele quem trouxe esse estudo ao Brasil e passou a ensiná-lo gratuitamente. Por ser engenheiro químico, ele criou o líquido que é injetado no corpo. Isso se espalhou muito rápido. Hoje se cobra 2000 reais para dar um curso de tanatopraxia, e meu pai ensinou todo mundo de graça. Antigamente, não se podia transportar corpos de uma cidade para outra, ou fazer velórios depois de 24 horas porque não existia essa técnica. É um procedimento fantástico para a família, porque parece que a pessoa está dormindo. Ele tira a rigidez do corpo, tornando possível entrelaçar as mãos do defunto, por exemplo. Além disso, tira o cheiro forte e age como um bactericida, possibilitando o toque. A tanato também tornou possível a reconstituição facial e a reconstituição do corpo.

Outra inovação é o uso de resguarda de pombas brancas no sepultamento. Meu avô sempre criou pombos, passarinhos e galos, mas teve que parar de trabalhar por causa da idade. Inicialmente, meu pai implantou a resguarda para dar uma atividade para ele. O que acabou sendo muito benéfico, porque há estudos científicos mostrando que quando as pessoas olham para cima, elas ativam um nervo que relaxa. Esse movimento circulatório de olhar a resguarda de pombas voando (elas dão cinco voltas acima da cabeça) faz com que você movimente o pescoço, relaxando ainda mais. As famílias vão embora mais relaxadas, tranquilas para pegar um carro, ou até mesmo viajar – voltar para sua cidade natal após um velório.

Também fizemos a chuva de pétalas que agora está se espalhando pelo Brasil. No final da cerimônia, tem uma esteira embutida no teto que solta pétalas de rosas em cima do caixão. É uma última homenagem que as famílias têm adorado e possibilita esse olhar para cima. Assim como a chuva de balões – a família escreve textos que são colocados dentro dos balões e soltos.

Temos a árvore das saudades (mensagens colocadas em corações ou flores de papel), e os QR-code na sala de memórias, com informações sobre a pessoa falecida. São nichos de vidro que representam um túmulo, com objetos pessoais como óculos ou celular, estetoscópio… artigos que mostram o trabalho e os hobbies daquela pessoa. São coisas que ajudam no processo do luto.

Algumas inovações são referências que vemos fora do país, como a transformação de cinzas em cristais. Antes usávamos diamantes, mas era muito caro por ser um produto importado. O cristal é bem mais barato e é feito por nós mesmos, na fábrica de vidros do meu outro avô. Uma vez, a esposa de um falecido nos pediu para fazermos um sapo em cristal verde com as cinzas dele, pois ele tinha o apelido de sapo. Também oferecemos cristais com cinzas dos bichos de estimação.

Tentei fazer uma parceria com a NASA para mandar as cinzas para o espaço (um serviço comum lá), mas não deu certo, porque ninguém quer mandar o parente para longe. O pingente é mais popular, por permitir que a pessoa amada fique perto de si.A materialização faz bem no lidar com o luto.

Nossa cerimônia é pensada para ajudar as famílias. Procuramos montá-la da forma mais personalizada possível, pesquisando sobre a vida do falecido e buscando coisas marcantes e positivas na sua trajetória. Pegamos as músicas que ele mais gostava, montamos um vídeo, elaboramos uma carta com as últimas homenagens dos amigos e de pessoas do convívio social, como do trabalho ou do clube.

Os americanos fazem muito isso. Vai todo mundo para o microfone falar sobre o falecido, fazem até santinhos. Só que eles têm uma semana para preparar a cerimônia lá. Aqui temos duas horas para montar tudo.

E procuramos ajudar no que for possível. Por exemplo, se sabemos que há briga na família, colocamos um vídeo falando sobre a importância da união familiar. Tudo tem que ter um sentido.

O trabalho é prejudicado pelo preconceito que o setor enfrenta. Nos Estados Unidos, por exemplo, o diretor funerário é visto como uma figura que ajuda a comunidade. Aqui, no Brasil, as pessoas têm a impressão de que a funerária se aproveita da família no momento do luto.

Eu represento o Brasil, junto com meu pai, nas reuniões do FIAT-IFTA, um conselho internacional em que se vota assuntos relacionados à morte, junto à UNESCO e à ONU. Discute-se, por exemplo, o sepultamento no mar, se deve ser permitido ou não e quais seus impactos no meio ambiente.

Em relação aos outros países, estamos atrasados quanto ao percentual de cremação. Aqui são 3%, nos EUA é acima dos 70%, na China é 99,5%. A Austrália também já passou dos 70%. Em relação a serviços, o Brasil está avançado. Em poucas horas já entregamos o corpo embalsamado, com lanche, ritual, todo evento preparado. Também admiram nossas inovações no serviço. O brasileiro é muito criativo.

A tendência do nosso mercado funerário é aumentarmos as taxas de cremação de pessoas e animais. Eu prefiro a cremação por ser mais prática, limpa, higiênica e mais leve. Também acho que crescerá essa ideia de se elaborar a cerimônia como uma homenagem – com vídeo, fotos, texto biográfico, ou seja, com grande participação dos familiares e amigos.

Infelizmente o sistema funerário de Curitiba é um retrocesso. A federação diz que cada município deve gerar o ramo funerário de sua cidade como quiser. Em Curitiba, há um rodízio de funerárias (são todas particulares, ao contrário de São Paulo, onde há o monopólio da prefeitura). Cada um que morre vai para uma funerária, em formato de rodízio. É um pesadelo você não poder escolher a funerária que preferir. A livre concorrência só agrega para o consumidor, então é ele quem está perdendo.

Então posso dizer que sonho com mudanças como essa. E desejo a melhoria contínua do setor. De poder atender sempre com qualidade e inovação. E quando eu tiver filhos, adoraria que eles continuassem nesse segmento, com o amor em ajudar os outros nesse momento difícil, como o que meu pai me ensinou.

 


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Como ocorre a cremação – por dentro do forno https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/03/31/como-ocorre-a-cremacao-por-dentro-do-forno/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/03/31/como-ocorre-a-cremacao-por-dentro-do-forno/#respond Tue, 31 Mar 2015 20:35:39 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=447 Com a música clássica preferida do querido defunto, o caixão começa a descer num buraco misterioso e eu não consigo segurar a vontade de chorar. O momento propicia uma despedida simbólica. Penso nos bons momentos que tivemos, no que ele representava para mim, na vida que construiu e na família que ficava. Mentalizo imagens dele rindo, fazendo sua atividade preferida, cavalgar, tentando memorizá-las pois sei que nunca mais as verei. E hoje aquele rosto está um pouco apagado, mas esse momento da despedida, não. Foi a primeira cerimônia de cremação que presenciei.

Dez anos depois, voltei ao Cemitério e Crematório Horto da Paz para conhecer o outro lado daquele elevador que levou o caixão simbolicamente para “de baixo da terra” como ocorreria no sepultamento, mas nesse caso é o subsolo do prédio principal do cemitério. Lembro de achar que o corpo sumia naquele buraco no chão e ia direto para o forno, ser cremado. Esse pensamento me sensibilizou porque quando eu saia do cemitério, imaginava que naquele momento, o corpo que abrigou por tantos anos aquela pessoa amada, estava rapidamente entrando em combustão.

Galeria de fotos

Mas não tem nada de imediato e rápido no processo, e ele funciona de acordo com etapas, obedecendo normas com uma preocupação pela segurança e eficiência como ocorre em qualquer empresa. Após a cerimônia, o corpo entra na programação do Horto da Paz, podendo levar até dez dias para ser cremado. Ele é mantido refrigerado a 4°C numa câmara fria. O tempo mínimo de espera é de 24h a partir da data do óbito, que é um período para contestação judicial ou verificação de erros médicos.

Assim que chega, o corpo recebe uma pastilha de material refratário, com uma numeração conectada ao nome do defunto pelo sistema, que servirá para identificar as cinzas ao corpo e garantir que não haja trocas.

Eu achava que se cremava mais de um corpo num mesmo local. No crematório Horto da Paz, o forno é destinado para apenas um corpo e acabaram de comprar outro devido ao aumento da demanda. Reinaldo Dantas, administrador do local, me falou que o Crematório Vila Alpina costumava trabalhar com um forno para dois corpos, mas hoje em dia passaram para o individual também. A assessoria de imprensa do Vila Alpina me informou que seus fornos antigos possuíam 2 compartimentos, que tinham a possibilidade de cremar 2 corpos ao mesmo tempo, porém de maneira separada, então os ossos carbonizados não se misturavam. Em 2005, trocaram os fornos antigos (Instalados em 1974 quando inaugurou o Crematório de Vila Alpina) por 2 novos fornos de tecnologia americana, com câmaras primária e secundária e em 2011, o Serviço Funerário adquiriu mais 2 fornos com tecnologia mais moderna, portanto o Crematório de Vila Alpina possui 4 fornos com tecnologia moderna e desde 2005 não opera com o sistema antigo.

O Vila Alpina pertence ao Serviço Funerário de São Paulo, da Prefeitura de São Paulo, que mantém o monopólio de cremação na cidade. Por isso, o Horto da Paz instalou-se em Itapecerica da Serra.

O corpo deve ser cremado junto com um caixão, chamado de ecológico por não ter químicas, como verniz e tintas. Retira-se o vidro, as alças e os metais. O Crematório Vila Alpina indica nas perguntas mais frequentes de seu site, que o caixão não é necessário para a cremação, apenas um recipiente de madeira ou cartão.

Após aproximadamente duas horas, do corpo que entrou só restou pó, ossos calcificados e bugigangas tecnológicas como pinos de titânio e próteses ortopédicas, que serão entregues à família num saco diferente do das cinzas. Os ossos são triturados numa máquina que me lembrou uma ferramenta de fazer bolo, não sei que raios de associação eu fiz. E não me sai da cabeça a imagem de um osso sendo quebrado como se fosse giz, que foi a analogia feita por Reinaldo. O clic de um giz partindo é muito específico e me pareceu interessante a ideia de que um osso, algo que só se quebraria com um impacto muito grande, virasse um giz após a cremação, transformado em osso calcificado. As cinzas recebidas pelas famílias são esses ossos triturados.

O forno é pré-aquecido a 657°C  graus. Ele tem duas câmaras. Os gases produzidos na primeira câmara passam para a segunda para uma requeima. Essa segunda câmara trabalha a 900°C graus. Segundo Reinaldo, é isso que garante que o que sai na chaminé não polui o meio ambiente. Seu resultado seria de 20% a 30% menos poluente do que um automóvel andando a 40 km por hora.

Dentro do forno, no canto direito superior (numa das fotos da galeria abaixo pode-se ver um buraco), é onde fica o queimador. Ele recebe uma chama a gás como se fosse um maçarico e regula a temperatura conforme a necessidade. Quando o corpo e o caixão entram em combustão, o queimador é desligado. O corpo se queima por ter carbono em sua composição e existem entradas de ar nas laterais que servem para alimentar esse processo. O queimador será acionado novamente quando já tiver consumido tudo que for combustível. O primeiro processo da desintegração do corpo é o da desidratação, já que somos 80% água. O segundo processo é a cremação propriamente dita.

O saco com as cinzas é colocado na urna de escolha da família. A urna não é obrigatória por lei, mas um costume já bem enraizado. São várias opções: a família pode levar a urna embora, pode guardar numa sepultura no próprio cemitério, adquirir uma urna biodegradável, de fibra de coco, e plantá-la com uma árvore de preferência. Há um bosque no Horto da Paz com essa finalidade. Também é possível usar uma urna de argila crua para jogar na água, como o mar e a cachoeira, porque ela afunda e se dissolve na água. Há urnas específicas para serem levadas para fora do país, segundo normas da polícia federal.

Formas alternativas para o destino das cinzas foram exploradas em posts anteriores. Veja indicações de leitura abaixo. O Cemitério e Crematório Horto da Paz disponibiliza serviços terceirizados pouco conhecidos. A empresa Brilho Infinito transforma cinzas em diamantes e a artista plástica Claudia Eleutério pinta quadros misturando cinzas à tinta, chamada de arte picto-crematória. O quadro é de escolha do futuro falecido ou dos familiares. Também podem ser feitas esculturas. Ainda há a possibilidade de pingentes e anéis com espaços “porta-cinzas” e separar as cinzas em um conjunto de miniaturas de urnas para distribuir entre os membros da família.

O crematório da Vila Alpina se considera um dos maiores do mundo e pioneiro da América Latina. Crema-se, em média, 25 corpos por dia e o custo parte de R$ 407,49, no plano mais barato, e R$ 15.576,59, no plano mais caro. Como o Horto da Paz, também dão o prazo de 10 dias para a entrega das cinzas às famílias. O Serviço Funerário do Município de São Paulo indica quando a cremação pode ocorrer em seu site:

– O falecido houver manifestado, em vida, este desejo  através de “Declaração de Vontade”, devidamente registrada em cartório.

– A autorização para cremação, de quem não optou por ela em vida, é concedida por um parente de primeiro grau mais próximo, na ordem sucessória (cônjuge, ascendente, descendente e irmãos maiores de 18 anos) e testemunhada por duas pessoas, além da apresentação do atestado de óbito assinado por dois médicos. Parentes de 2.º grau não podem autorizar a cremação.

-No caso de morte violenta, a cremação só ocorrerá mediante autorização judicial. Para isso são necessários:

1) Atestado assinado por um médico legista;

2) Boletim de Ocorrência;

3)  Declaração de um  delegado de polícia manifestando não se opor à cremação em questão;

4) Atestado de Óbito assinado por dois médicos.

Essa declaração de vontade, em sua forma mais abrangente, também é chamada de “Testamento Vital”, assunto bem explorado aqui no blog (veja sugestões de leitura abaixo).

Tanto o Horto da Paz quanto o Vila Alpina me informaram que a cremação acaba se tornando mais vantajosa financeiramente do que o sepultamento. Inicialmente, ela parece mais cara, mas o sepultamento presume taxas adicionais que a cremação não tem, como a taxa de conservação mensal e os custos com a retirada do corpo na exumação (com três anos no Vila Alpina).

A cremação parece uma tendência inevitável. Hoje em dia é muito difícil abrir um cemitério convencional, devido à falta de espaço e às leis ambientais. Países que lidam com essa questão, como o Japão, já consolidaram a cremação como tradição predominante. O Horto da Paz indicou um aumento de 36% na quantidade de cremação nos últimos três anos. E o Vila Alpina afirma que desde janeiro de 2008, o número de cremações dobrou em São Paulo.

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 Atualização em 01.04

A assessoria de imprensa do Crematório Vila Alpina me informou que o site linkado aos preços da cremação se tratava de um site clandestino, e eles já estão com um processo em andamento para retira-lo do ar. Me passaram o link correto dos custos e seus valores, que foi corrigido diretamente no texto.

Atualização sobre a transformação de cinzas em diamantes

A assessoria de imprensa do crematório Horto da Paz me informou que a empresa Brilho Infinito suspendeu, no momento, o serviço de transformar cinzas em diamantes. Quem tiver interesse em contactar outro fornecedor, o Cemitério Vaticano, no Paraná, tem licença no Brasil com a Algordanza, uma referência internacional para esse tipo de serviço.

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O que você quer ser quando morrer, parte 2 – árvore ou vinil? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/03/06/o-que-voce-quer-ser-quando-morrer-parte-2-virar-arvore-ou-vinil/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/03/06/o-que-voce-quer-ser-quando-morrer-parte-2-virar-arvore-ou-vinil/#respond Fri, 06 Mar 2015 12:35:17 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=400 “Quando eu morrer, quero virar árvore” é um comentário comum dos empolgados com o anúncio de um projeto italiano chamado “The Capsula Mundi”. Desenvolvido por dois designers, Anna Citelli e Raoul Bretzel, consiste na substituição de caixões por cápsulas biodegradáveis, em formato de ovo. O corpo é enterrado em posição fetal, dentro dessas cápsulas, e servirão de nutrientes para uma árvore que crescerá a partir de sua decomposição. Pode-se plantar uma semente de árvore ou a própria árvore em cima do casulo. O site do projeto disponibiliza algumas opções de árvores para escolha, dependendo da região, e afirma que “a árvore representa a união entre a terra e o céu, o material e o imaterial, o corpo e a alma”.

Ainda não funciona na prática, porque as leis italianas não permitem esse tipo de enterro. Quando houver a permissão, seu objetivo é criar um cemitério cheio de árvores ao invés dos túmulos tradicionais. E oferecer um impacto positivo no meio ambiente, já que estaríamos adicionando uma árvore no mundo ao invés de usarmos uma para fazer o caixão.

Outra ideia inovadora é a opção de “virar um vinil” ao morrer. Os restos mortais são prensados num disco de vinil que toca músicas de sua escolha. Segundo uma empresa inglesa “End Vinyly”, o pacote básico custa £3.000 libras e inclui decoração e gravação de até 30 discos com duração máxima de 24 minutos cada, 12 minutos cada lado. Pode-se gravar depoimentos, sua própria voz, o testamento falado, músicas ou mesmo nada, para apenas escutar o som produzido pelas cinzas no vinil. O site da empresa que faz esse tipo de serviço diz: “quando o disco da vida finalmente chega ao fim, não seria bom mantê-lo rodando por toda a eternidade?”.

Opções alternativas para o destino de nossos restos mortais têm surgido a cada dia, e podem ser utilizadas para animais de estimação também. No post “O que você quer ser quando morrer”, exploro alguma delas. Citei a transformação de cinzas em diamantes (para fazer um colar ou uma anel, por exemplo) ou em tinta para a pintura de um quadro escolhido ainda em vida (ter o vovô pendurado na sala, misturado ao “O Beijo” de Klimt, por exemplo). Também é possível mandar suas cinzas para o espaço. Veja as empresas que fazem esse tipo de serviço e os custos no post.

Acredito que a tendência de escolhermos o que será feito com nossos restos mortais está relacionada à abertura da discussão sobre o tema da morte. A própria possibilidade de editarmos um blog como o “Morte sem Tabu” mostra que esse assunto já pode ser debatido hoje com maior naturalidade.

Há a possibilidade de pensarmos na morte e no morrer além do que um discurso religioso proporciona e assim surgem ideias próprias sobre rituais fúnebres. A religião se coloca não mais como algo pré-determinado e de conceitos inquestionáveis, mas abre a possibilidade para certa autonomia. Assim, quem sabe podemos personalizar nossa ideia de morte, recortando informações de várias fontes, misturando dogmas, religião com filosofia e ciência, e permitindo a expressão de desejos pessoais, sem o rótulo de profano ou desrespeito que existia antigamente.

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Enterrar ou cremar

O que os mortos falam

Picture 1_24 biodegradable-burial-pod-memory-forest-capsula-mundi-9 biodegradable-burial-pod-memory-forest-capsula-mundi-6

]]> 0 O que você quer ser quando morrer? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/22/o-que-voce-vai-ser-quando-morrer/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/22/o-que-voce-vai-ser-quando-morrer/#respond Wed, 22 Oct 2014 10:24:44 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=39 Novas alternativas surgem para o destino do corpo após a morte. São métodos que se propõem a serem mais ecológicos, como a biocremação, ou possibilitar a reutilização dos tecidos, como a plastificação,  mumificação ou criogenia (congelamento). Há também alternativas criativas para o destino das cinzas, como uma empresa especializada em levá-las ao espaço ou jogá-las na superfície da lua, e outra que as transformam em diamantes e quadros. Brincando com o título desse post, você pode virar uma múmia, uma joia, um quadro, um astronauta, ou desaparecer na natureza. São possibilidades mais acessíveis do que se imagina. Confira abaixo.

Legado acadêmico

Esse não é novo, mas é uma alternativa: Pode-se doar o corpo para estudo científico. Ele vai, por exemplo, para o Laboratório de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) a ser estudado pelos alunos de graduação e pós-graduação em Anatomia Humana. Veja como doar o corpo e perguntas mais frequentes nesse link. Também veja informações no site da prefeitura de SP, via esse link.

Biocremação

É um processo que ganha popularidade nos Estados Unidos. Ele se baseia em liquefazer o corpo, com hidróxido de potássio. A cremação ocorre com água e não fogo, por isso é chamado de “Flameless Cremation” (cremação sem fumaça). Os ossos, que não se tornam líquidos no processo, são cremados no processo normal. É mais ecológico, por soltar 75% menos dióxido de carbono na atmosfera e usa 30% menos energia, mas é mais caro. A funerária Anderson-MacQueen, na Flórida, já está usando o modelo de liquefação e coloca o impacto ambiental como sua maior justificativa. Outra forma que se propõe a ser uma alternativa mais ecológica é o “Promession”, já disponível na Grã Bretanha. Criado por Susanne Wiigh-Masak, ele congela o corpo a -18°C e depois o imerge em nitrogênio líquido a -196°C. O corpo se despedaça e os metais, como obturações dentárias e próteses, são extraídos e reciclados.

Criogenia

O futuro está aqui. A criogenia, congelamento do corpo, é um processo muito caro e ainda não é visto como uma alternativa real. Mas existem instituições procurando avançar nesse sentido. A ONG Alcor, nos Estados Unidos, congela corpos de pessoas com doenças incuráveis na expectativa de que no futuro, quando a cura for encontrada, a pessoa seja reavivada. Parece filme de ficção científica, mas a organização existe e já tem mil membros.

Plastificação

Outra maneira de preservar o corpo é a plastificação. Ela foi criada por Gunther Von Hagens e é possível doar o corpo através desse site para ser plastificado e usado em escolas de anatomia ou em  exposições como a que chegou ao Brasil em 2007, “Corpo Humano: Real e Fascinante”. A exposição foi polêmica e muitos se surpreendiam em ver o corpo humano do avesso, de forma tão real. O próximo pode ser o seu.

Mumificação

Se você é apaixonado pelos egípcios e não entende porque não existe mais o hábito de mumificar corpos, conheça a Summum (org) ou Summum (EUA), uma ONG americana especializada em mumificação. Apresentam-se como a única instituição especializada em mumificação moderna no mundo e fazem o serviço com pessoas e animais. A mumificação de pessoas custa US$67.000 e a de um gato de 4kg, por exemplo, US$4.000. Algumas agências funerárias americanas já oferecem essa opção, em parceria com a Summun.

Cinzas siderais

Ter suas cinzas lançadas no espaço não é tão inacessível quanto se imagina. A empresa americana Celestis, é especializada em levar as cinzas do morto para o espaço. Já fizeram 13 lançamentos, cada um levando várias urnas. Um deles, em 2009, levou as cinzas do criador de Star Trek Gene Roddenberry e sua esposa. Os custos partem de US$1.000 e dependem do tipo de lançamento: no mais barato, as cinzas passeiam ao redor da Terra e voltam para a família, nos mais caros, partindo de US$12.500, as cinzas são lançadas na órbita da Terra, na órbita ou superfície da lua ou no espaço profundo. Seu sonho de ser astronauta agora pode ser realizado, só que depois da morte.

Jóia rara

Uma empresa suíça, Argodanza, inovou ao transformar as cinzas em diamantes, possibilitando parentes e amigos levarem um  pedaço do ente querido em forma de pingentes, pulseiras ou anéis. No Brasil, ela trabalha em parceria com o Crematório Vaticano, em Santa Catarina. A descrição do procedimento e perguntas frequentes podem ser conferidas aqui.

O Cemitério e Crematório Horto da Paz em Itapecerica da Serra (SP) cria diamantes a partir do cabelo do falecido. São três opções de cores: champanhe, azul e incolor. Os valores  começam em R$1.800 (0,05 pontos, cor champanhe) até R$14.000 (0,70 pontos, cor champanhe).A alquimia é feita em parceria com a empresa Brilho Infinito, submetendo-se o carbono do cabelo a altas pressões e temperaturas. Um vídeo sobre esse serviço pode ser visto aqui, clicando em “ Diamantes Brilho Infinito” na aba esquerda.

 

Obra de arte

O Cemitério e Crematório Horto da Paz também oferece a transformação das cinzas em quadros. O método é chamado de arte Picto-Crematória. A artista plástica Cláudia Eleutério mistura as cinzas da cremação à tinta e pinta um quadro de preferência da família ou que o falecido escolheu antes de morrer. Um quadro custa em média, R$ 4.000 reais (tela de 50 X 70cm e moldura padrão) Um vídeo sobre essa técnica pode ser conferido aqui, clicando em “arte picto-crematória” na aba esquerda. Imagine ser fã de Gustav Klimt e pedir para ser eternizado nos contornos de “O Beijo” junto com sua esposa. Romântico, não?

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Enterrar ou cremar? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/20/enterrar-ou-cremar/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/20/enterrar-ou-cremar/#respond Mon, 20 Oct 2014 10:47:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=32 Você está lá, no meio de um jantar de família, quando seu pai solta: “pois eu gostaria de ser cremado”. Paira um silêncio no ar até que um dos filhos dá uma gargalhada sem graça e diz algo como: “você não vai morrer tão cedo pai”, e pede para passar o sal. O clima volta ao normal, mas a informação foi dita. Quando esse pai falecer, os irmãos lembrarão disso, se é que ele não deixou a intenção por escrito, registrada em cartório, e vão escolher uma urna ao invés de um caixão. Mas nunca sabemos ao certo quando vamos morrer e pensar nessas opções em qualquer momento da vida pode ser útil.

Toda nossa concepção sobre o ritual da morte já foi baseado na religião de escolha, mas hoje algumas pessoas procuram desenvolver seus próprios pensamentos a respeito, estimulados pelo rápido acesso às informações. Se estamos reformulando o sexo, a psique, como a sociedade se relaciona, além do que um determinado dogma religioso possa proporcionar, pode fazer sentido que o mesmo seja feito a respeito da morte.

 Até 1964, A Igreja Católica proibia a cremação, só permitindo o enterro dos corpos. Hoje, não há mais a proibição formal, mas o hábito do enterro continua em voga na América Latina. Em países como China, Japão e Índia, com forte influência budista e hinduísta, é mais comum a cremação, apesar de não se oporem ao sepultamento.

 A crença budista diz que o fogo regenera o corpo, preparando-o para as próximas reencarnações. Mas a cremação deve ocorrer alguns dias após a morte, respeitando o tempo que a alma leva para deixar o corpo. O espiritismo também prefere não cremar o corpo diretamente após o falecimento, já que o espírito estaria apegado ao corpo e o tempo para o desapego seria inversamente proporcional à elevação do espírito.

 Na Índia, algumas províncias ainda usam crematórios ao ar livre, como em Varanasi, onde há torres de cremação em volta do rio Ganges. Hindus vêm de todo o país para serem cremados lá e pedintes nas ruas imploram por dinheiro para comprar madeira para sua própria cremação. Um momento importante do ritual de cremação hindu é o barulho peculiar do estouro que ocorre quando a membrana que protege o cérebro se desprende. Os hinduístas dizem que é alma se desprendendo do corpo.

A cremação é uma técnica muito antiga. Os gregos e os romanos cremavam seus corpos, por volta de 1000 A.C. Era considerado um destino nobre aos mortos. O sepultamento era uma opção dada aos criminosos. O povo Hebreu começou a sepultar seus mortos, o que levou a Igreja Católica a adotar esse ritual, e considerar o ato da cremação desumano e a prática de “falsas religiões”, ou seja, uma prática pagã.

 Mas tudo indica que o sepultamento é anterior à cremação. A referência mais comum do início dos sepultamentos com rituais funerários vem com os egípcios, em 3000 A.C e suas mumificações. As pirâmides egípcias atraem curiosos do mundo inteiro em busca dos mistérios sobre sua técnica da construção e as elaboradas práticas ritualísticas adotadas, necessárias para a imortalidade da alma.

Há indícios de que os homens primitivos enterravam seus mortos em grutas, por arqueólogos terem encontrado ossadas e ornamentos supostamente ritualísticos nelas.

No Brasil, o enterro é a opção mais usada. Quem tem túmulo de família, optará por ser enterrado junto aos familiares, procurando o conforto da ideia de companhia em contraposição com o sentimento de solidão que envolve a morte. Quem não tem espaço privado num cemitério, usará as “quadras gerais”. Nesse caso, o corpo deverá ser exumado em três anos e seus restos direcionados a um ossário. Em túmulos familiares, a decisão de exumação cabe à família, caso queira abrir espaço para um novo corpo.

Na cremação, as cinzas podem ser dadas à família em urnas, ou colocadas em nichos, como um sepultamento. Há a opção de urna biodegradável, caso a família pense em plantar uma árvore junto à urna e a planta servir de referência e conforto. Se não houver uma Declaração de Intenção pela cremação, registrada em cartório, é necessário um parente de primeiro grau para autorizá-la.

Ao contrário do que muitos pensam, a cremação não é mais cara do que o sepultamento, segundo o Serviço Funerário São Paulo. O que pode torná-la mais cara é a urna escolhida para guardar as cinzas. O crematório Vila Alpina divulga em seu site que o custo do processo varia de R$ 4.000 a R$ 7.500 reais.

As cinzas podem ser jogadas em qualquer lugar, mas o corpo só pode ser enterrado em cemitérios. O problema de se enterrar um corpo em terreno privado é ser enquadrado como crime de ocultação de cadáver, além da questão ecológica. Em algumas zonas rurais este ainda é um hábito.

Em termos de impacto ambiental, tanto a cremação quanto o enterro podem ser prejudiciais. A cremação precisa seguir protocolos e filtrar os resíduos tóxicos. O enterro já tem uma probabilidade maior de interferir na natureza, como o material dos caixões, das roupas dos mortos, assim como a possibilidade de o líquido tóxico resultante da decomposição do corpo chegar nos lençóis freáticos. Quem é a favor da cremação também coloca a necessidade de ampliação de espaço físico para novos cemitérios como um argumento.

Nesse aspecto, estão surgindo  os Cemitérios Verticais, como em Santos, onde corpos são colocados em espaços próprios, vedados, que se acumulam em andares. Em Santos são dois cemitérios verticais: o Cemitério Metropolitano, de 12 andares, e o Memorial Necrópole Ecumênica, que se declara no site como o mais completo cemitério vertical do mundo – são cinco prédios interligados, o mais alto tem 14 andares. Em São Paulo, não é permitido a construção de cemitérios verticais.

Existe o chamado “enterro natural”, onde o corpo é envolto por mantos e enterrado sem caixão, como no Islamismo. O artigo 18, do ato número 326 de 1932, sobre cemitérios do município de São Paulo, orienta o enterro dos cadáveres em caixão próprio. Por isso, o Serviço funerário São Paulo entende o enterro sem caixão como crime, mas eu liguei num cemitério privado que abriu essa possibilidade caso seja a vontade do solicitante.

Outra opção é o uso do caixão feito de material biodegradável, já disponível em algumas agências funerárias, mas pouco solicitado por ter uma aparência “feia”.  Também há a urna ecológica, mas também pouco usada por causa da sua aparência, segundo o Serviço Funerário São Paulo.

Independentemente da forma adotada, técnicas de conservação do corpo são oferecidas para as famílias para deixá-lo mais apresentável, de forma mais natural. Também são usadas em velórios que durem mais de 24h, mesmo com caixão fechado, onde a aparência não seria um motivo, mas sim a conservação do corpo.

O mais comum é o embalsamamento, esterilização do corpo para protegê-lo da decomposição através da inserção de fluídos embalsamadores. O embalsamamento não é obrigatório no Brasil, apenas em transportes aéreos nacionais e internacionais. A opção da Tanatopraxia parte do mesmo princípio do embalsamamento, mas pode ser usada quando o corpo vem do hospital, fechado, pois é um método não invasivo, onde a troca de fluídos é feita pela carótida. No embalsamento, o corpo é aberto, por isso é uma opção usada quando ele vem do IML, após autópsia.

Um motivo alegado a favor da preparação do corpo, além da questão estética, é a sanitária, já que o corpo não preparado ofereceria maior danos ao solo, podendo contaminar o lençol freático com restos mortais considerados tóxicos, mas não há um consenso quanto a isso.

Sei que não é racional, mas as duas opções mais usadas, enterro ou cremação, me parecem aflitivas. A ideia de estar enterrada, comida por bichinhos, abafada num caixão não atrai. E a de ser cremada a 1.000°C, transformada em cinzas também não. Bem, não há maneira fácil de nascer, também não há maneira fácil de morrer. Não decidimos como vamos nascer, mas podemos decidir o que será feito do nosso corpo quando morrermos. Pelo menos isso.

Novas alternativas, além das usuais enterrar ou cremar, ganham cada vez mais espaço. No próximo post, surpreenda-se com o que tem por aí.

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