Portugal debate eutanásia no início de 2017

Camila Appel

A discussão sobre eutanásia e suicídio assistido tem crescido no mundo, menos no Brasil. Os deputados portugueses, por exemplo, acabaram de aprovar, por unanimidade, uma petição para a despenalização da morte assistida, que segue para o plenário da Assembleia da República no início do ano.

A petição define morte assistida como: “o ato de, em resposta a um pedido do próprio – informado, consciente e reiterado – antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura”. Se o paciente auto-administrar a substância letal (tomar o líquido sozinho), o ato é chamado de suicídio assistido. Se um profissional da saúde administrar o remédio no paciente (injetar, por exemplo), é denominado eutanásia.

A maioria dos médicos paliativistas  que conheci se colocam contra o levantamento desse assunto porque consideram que apenas alguém mal amparado optaria pela morte. Mal amparado seria, por exemplo, não ter o tipo de suporte ofertado por cuidados paliativos– já que esse tratamento foca na dor física, psicológica e existencial do paciente.

Eu sou fã dos cuidados paliativos e das iniciativas e profissionais que entrevistei aqui no blog, mas preciso discordar desse ponto, porque um dos papeis desse espaço é levantar assuntos que normalmente são evitados, como esse.

O país poderia estar mais maduro para essa discussão, com uma política nacional consistente de cuidados paliativos e formação de profissionais da área. Mas considero que o debate diz muito sobre nossa relação com o Estado.

Nosso Estado costuma agir de forma paternalista, partindo do pressuposto de que ele é dono do nosso corpo e não nós mesmos. Como um pai, entende que não somos capazes de tomar decisões sobre esse espaço que habitamos e se apodera dele.

Não podemos abortar, não podemos abreviar a vida com ajuda médica, não podemos mudar de sexo e até para transar já teve muita lei aí que não fazia sentido.

Já cheguei a desenhar alguns argumentos contra e a favor do suicídio assistido e questões na elaboração de leis. Gostaria de retomá-los aqui para tentar reaquecer a discussão e, quem sabe, estimular o leitor a dar sua opinião na seção de comentários do post. Para quem não vive uma situação de terminalidade no momento (seja pessoalmente ou via parentes e amigos), fica difícil criar alguma empatia, mas é importante buscar se inteirar do assunto. Não vai demorar muito para nos alcançar, acredito eu.

Argumentos contra o suicídio assistido e a eutanásia:

  • Terminar uma vida deliberadamente é errado. A vida é sagrada e o sofrimento ao final dela só confere sua dignidade (aqui entram argumentos religiosos de que a vida é Deus quem dá e só ele tira);
  • Essas leis abrem espaço para que a morte prematura se torne um caminho mais fácil e mais barato do que os cuidados paliativos. Além de indicar uma possível exploração dos mais vulneráveis por parentes e médicos mal intencionados, que desejem a morte prematura daquela pessoa, por exemplo;
  • Pode ser um passo para a aplicação indiscriminada da eutanásia;
  • Suicídio assistido pode prejudicar os cuidados paliativos (como menores investimentos na área);
  • Os pacientes podem se sentir pressionados para decidirem morrer e não serem um fardo a seus parentes;
  • Só desejará morrer quem está mal amparado, com dor física ou psíquica: Com um bom atendimento de cuidados paliativos (e multidisciplinar), 100% dos pacientes mudam de opinião em relação ao desejo de morrer;
  • A lei será usada pelos mais pobres, que não têm plano de saúde e sofrem com maus tratos do serviço público;
  • Desvaloriza aqueles que possuem uma doença terminal e decidem não morrer antecipadamente.

Argumentos a favor do suicídio assistido e da eutanásia:

  • Liberdade e autonomia são fontes de dignidade humana;
  • Numa sociedade moderna e secular, é estranho falar em santidade da vida para aceitar-se o sofrimento, a dor insuportável e a miséria a que alguns pacientes são submetidos;
  • Evidências de países em que o suicídio assistido é legalizado, apontam não haver aumento de práticas de eutanásia. Em alguns países, como na Suíça, a eutanásia é ilegal apesar do suicídio assistido ser liberado.
  • As pessoas que optam pelo suicídio assistido normalmente não são motivadas pela dor,  mas sim pelo desejo de preservar sua própria dignidade, autonomia e prazer na vida;
  • Na Holanda, país que permite o suicídio assistido, considera-se haver um dos melhores cuidados paliativos da Europa.
  • A “The Economist” diz: “um estudo em 2008 concluiu que o movimento a favor da morte assistida na Bélgica trouxe melhorias nos cuidados de fim de vida de forma geral e que a presença de uma boa estrutura de cuidados paliativos tornou possível ética e politicamente para que tais práticas tornarem-se legais.”;
  • Algumas formas de suicídio assistido e eutanásia voluntária (ou mesmo involuntária) já ocorrem de forma ilegal;
  • Não há evidências de que o uso dessas práticas servirão os menos favorecidos financeiramente. Os números indicam que a camada da sociedade que opta pelo suicídio assistido é elitizada – tem acesso a plano de saúde, bons serviços de cuidados paliativos a disposição, assim como home-care, e alto nível de formação escolar.

Questões a ponderar na elaboração de uma lei nesse sentido:

  • Ela será permitida com base na dor do paciente (critério subjetivo) ou na fatalidade da doença? No Estado de Oregon (EUA), por exemplo, só são aceitos pacientes com um prognóstico de até seis meses de vida, atestado por dois médicos diferentes (nos EUA, cada estado regulamenta de forma independente a respeito);
  • Argumentos contra o suicídio assistido mencionam o problema do erro em diagnósticos médicos, tanto em afirmar que uma doença é terminal quando não o é, quanto em tempo de vida;
  • Na Suíça, a doença não precisa ser fatal. Nesse vídeo, uma mulher que sofre de uma doença óssea não letal opta pelo suicídio assistido. Ela segue bem humorada nos momentos finais de sua vida;
  • O paciente deve tomar o remédio letal de forma autônoma ou pode receber o medicamento caso esteja incapacitado? Em Oregon, por exemplo, ele deve tomá-lo sozinho, sem ajuda. O que traz manifestações nesse sentido, como um paciente com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) que teme não poder se automedicar quando chegar a hora de querer morrer. Na Suíça, a lei exige que o paciente seja assistido no suicídio, ele precisa tomar o medicamento também, caso contrário, o caso será considerado eutanásia, que é ilegal no país;
  • A questão mais complicada refere-se a se essas práticas deveriam ser disponíveis para quem está sofrendo de angústias mentais ou não – como depressão crônica. Nesse vídeo produzido pela “The Economist Films” é levantada a possibilidade de a morte assistida servir como ferramenta de prevenção do suicídio. Ele usa como exemplo uma menina na Bélgica, país que permite o uso da lei para distúrbios mentais;
  • Se os menores de 18 anos poderiam usar a lei, mesmo com autorização dos pais, e como ela se aplicaria a crianças.