Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O significado da cremação segundo Osho https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/o-significado-da-cremacao-segundo-osho/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/o-significado-da-cremacao-segundo-osho/#respond Mon, 07 Mar 2016 12:52:36 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=855 Há treze anos, visitei Varanasi, uma das cidades mais sagradas da Índia. Corpos são cremados em torres ao ar livre na margem do rio Ganges e suas cinzas jogadas no rio. São os ghates que ligam o terrestre ao divino. Varanasi significa “porta do céu” e daria acesso à vida eterna. Hindus chegam de todo o país para serem cremados nessas torres e pedintes nas ruas imploram por dinheiro para comprar madeira, não comida.

A maioria dos indianos opta pela cremação dos corpos. É uma boa saída, já que arrumar terreno para sepultamento num país tão populoso seria um desafio. Mas o motivo parece ser filosófico, baseado na crença hinduísta de que o fogo regenera o corpo, preparando-o para as próximas reencarnações.

A visão de um indiano proeminente, Osho (1931 – 1990), pode contribuir para essa poetização da cremação. Professor de filosofia e mestre na arte da meditação, publicou mais de 600 livros com seus ensinamentos. Visto como um guru, líder de um movimento espiritual, seguidores o acompanhavam se organizando em comunidades. Ele teve o visto de residência negado em 21 países. Um dos motivos foi o preconceito em torno de seu liberalismo em relação ao sexo.

Osho via a morte como um evento a ser celebrado, um presente da existência. “Ela não é o fim da vida, mas sim seu clímax”, dizia, e por isso afirmava que os funerais deveriam ser um festejo. No vídeo abaixo, “Sim, Nós Celebramos a Morte Também”, seu depoimento é acompanhado por imagens de um funeral, digamos, animado. Ao contrário do semblante triste e das roupas escuras que costumamos ver por aqui, esse tem música e danças que beiram o frenesi, com um aspecto de bloco de rua carnavalesco acabando na Quarta-Feira de Cinzas.

Osho diz que o processo de cremação também deve ser visto por crianças, para “enfrentarem as verdades”, como coloca.

Ele comenta que o fogo é necessário para que o espírito se desprenda do corpo, como símbolo de purificação e desapego. O espírito assistiria seu corpo queimando e se conscientizaria do fim da vida, cortando suas ligações e prisões. A opção pela cremação teria um motivo especial: “O fogo é a única coisa que se conhece que não permite gravidade nenhuma. Ele sempre sobe, e assim é um símbolo da sua espiritualidade, que também sempre sobe. Você vê chamas e em breve elas desaparecem, sua visibilidade ocorre por alguns segundos e já se tornam invisíveis”. O fogo subiria em direção à “nossa casa”, de onde viemos e para onde vamos.

No Japão, a cremação também é a opção predominante. De maioria budista, dispõem de vários rituais fúnebres dependendo da região. É comum um membro da família acionar o forno da cremação. O lindo filme, “A Partida”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009, mostra a realidade de um agente funeral que prepara corpos no “ritual do acondicionamento”. Baseia-se na limpeza do corpo para o renascimento, já que a morte é vista apenas como uma passagem.

Outras religiões não permitem a cremação, como o judaísmo. Entenda o porquê numa entrevista com o rabino Adrián Gottfried . Veja também o impactante ritual tibetano, conhecido como Funeral Celeste, no qual corpos são ofertados aos Dakinis (urubus).

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Com licenciatura e mestrado em Sociologia pela Universidade Nacional de Buenos Aires, esse rabino de origem argentina é líder spiritual da Comunidade Shalom há 18 anos. É uma comunidade paulista que também se destaca por uma participação feminina relevante, ao aceitar mulheres como rabinas.

Na entrevista abaixo, ele comenta a abertura da tradição judaica a interpretações, “não há uma única voz oficial. Se você falar com 35 rabinos, terá 35 versões diferentes”. Mas haveria pontos de consensos, como a crença de que a morte não é o fim da vida. Como essa continuidade ocorre seria passível de interpretações. “Para uns, a continuidade significa continuarmos através dos filhos, da família. Não apenas família biológica, pode ser também um professor, um mestre. Na medida em que você mantém a pessoa acesa, ela continua te inspirando e é eterna”.

Adrián também fala sobre os costumes judaicos para o luto e seus ciclos. O hábito de rasgar um pedaço da roupa na morte de um familiar direto, por exemplo, “simboliza o início da consciência do processo de luto. Nunca estamos preparados para esse momento, não importa há quanto tempo a pessoa estava doente. Por isso, a roupa rasgada ajuda no início dessa conscientização. Depois de um tempo, costuramos a parte rasgada, para simbolizar que a cicatriz permanece eternamente e você vai aprender a conviver com esse vazio no coração”.

Como o judaísmo vê a morte?

 A primeira questão importante para o judaísmo é que a morte é uma parte da vida. Não é algo separado da vida, é a outra cara da mesma moeda. Na tradição bíblica, a morte não é chamada de morte mas sim de “voltar para casa”. É uma espécie de reunião. Não sabemos como vai ser esse reencontro porque ninguém voltou de lá para contar. A palavra morte nem aparece na bíblia. Quando eu falo de bíblia, só para ser mais preciso, estou falando dos cinco primeiros livros da bíblia, a Torá, que para a tradição judaica, são os textos mais importantes.

A cultura moderna traz uma separação importante da morte. Isso é algo relativamente novo e está vinculado ao processo de passarmos a morrer nos hospitais. Antigamente, as pessoas nasciam e morriam em casa. Por tanto, eram eventos considerados naturais. Hoje, quando alguém nasce, vai para o hospital e quando alguém morre, vai para a UTI, fica entubado e recebe visitas que duram apenas meia hora e olhe lá. Poucos sistemas permitem que a família fique próxima da pessoa. Existe o movimento de hospices que tenta dar um pouco de cuidados paliativos para os casos em que a medicina já não tem muito o que fazer. Mas a maioria das pessoas, ainda que entenda que a medicina não possa atuar mais, acha que o médico vai cuidar melhor do parente do que a própria família. A tecnologia pode ser boa para algumas coisas e ruim para outras. Há a fantasia de que estar conectado a um monte de tubos é melhor.

Leia mais na sobre a filosofia hospice e cuidados paliativos na categoria “cuidados paliativos” do blog.

A morte vai chegar para todo mundo, ela é democrática. Trabalhando como rabino há tantos anos, eu percebo que as mortes são muito diferentes. E para cada pessoa impacta de uma forma diferente. Os lutos são diferentes. Podem haver mortes mais simples de aceitar. A tradição judaica tenta, de alguma maneira, ajudar as famílias enlutadas a lidar com esse momento e tomar consciência dessa realidade. Talvez uma das coisas mais importantes dessa tradição seja ajudar as famílias a passar pela experiência da morte sabendo que todos passaremos por ela, mas cada passagem é individual.

 Como o judaísmo vê o luto?

 Trabalhamos com dois princípios: a santidade da pessoa falecida, que são os rituais vinculados ao corpo, e o consolar a família. Sobre a pessoa falecida, há o ritual de lavar o corpo antes de enterrar, chamado tahará. Optamos por nunca expor o corpo em velórios para preservar a imagem da pessoa em vida, e é uma forma de dizer que ela não está mais lá. Há simplicidade, o caixão não tem adornos e a roupa do morto é uma mortalha branca, igual para todos.

O judaísmo diz que a morte tem quatro períodos de luto. O primeiro vai do momento da notícia até o enterro. Trabalhamos para ajudar a família a cuidar do enterro e a realizá-lo o mais rápido possível. O enterro no judaísmo tem que ser orgânico. Somos contra, por exemplo, a cremação. É uma questão muito dura para o judaísmo porque, primeiro, é antinatural. Se alguém te empresta um livro, você vai querer devolvê-lo inteiro e não queimado. O corpo é um empréstimo que fazemos. A segunda questão é que, depois das câmaras de gases em Auschwitz, o corpo queimado ganhou outra dimensão. Sem contar o impacto psicológico e espiritual nas famílias que não terão um espaço para poder lembrar do falecido.

Após o sepultamento, há o luto dos primeiros sete dias. Nesse período, os familiares diretos rasgam um pedaço de suas roupas. Para pai e mãe falecidos, rasgamos do lado esquerdo, que é o lado do coração. Para os outros familiares diretos como esposa, irmãos e filhos, rasgamos do lado direito. Simboliza o início da consciência do processo de luto. Nunca estamos preparados para esse momento, não importa há quanto tempo a pessoa estava doente. Por isso, a roupa rasgada ajuda no início dessa conscientização. Depois de um tempo, costuramos a parte rasgada para simbolizar que a cicatriz permanece eternamente e você vai aprender a conviver com esse vazio no coração.

Nesses sete dias, o enlutado sai da sua rotina para se dedicar às rezas. A reza é um pretexto para as famílias se reunirem para resgatar as memórias sobre o morto. A memória ajuda a ver que, fisicamente, a pessoa não está mais lá mas algumas coisas continuam. Muitas vezes, os familiares estão ligados à última fase da vida do morto, enquanto ele estava doente, e se esquecem do “filme” inteiro. Parte da função dos rabinos é ajudar a resgatar essa memória – que está lá mas é pouco acessada. Incentivamos as famílias a dar depoimentos, a contar casos. É um momento para celebrar a vida da pessoa que morreu. A tradição judaica dá uma ferramenta para ajudar, mas depende da pessoa querer. Nem todo mundo aproveita essa oportunidade e depois, quando percebe, já é tarde. Porque não adianta querer fazer as rezas, e passar por esse processo, depois de dois anos.

Essas rezas precisam de um quórum mínimo de dez pessoas. Isso tem a ver com a ideia de que, se eu estou enlutado e fico sozinho, eu retroalimento minha dor e minha angústia. Quando há dez pessoas presentes, poderá haver um que está celebrando que o filho entrou na faculdade, por exemplo. Isso, automaticamente, me ajuda a entender que, ainda que eu esteja em um momento triste, possa me alegrar, por empatia, por outra pessoa. E vice-versa. É um momento de contradança psicológica, sabendo que a vida vai ter os dois. Hoje estou desse lado, mas amanhã poderei estar celebrando alguma coisa. Isso tem a força do quórum mínimo.

Quais são as outras etapas do luto?

 Depois da etapa do sepultamento e dos primeiros sete dias, há os 30 dias. Ainda é uma fase de recuperação. As rezas ocorrem na sinagoga e não mais em casa. O luto funciona de forma irregular, haverá dias em que a pessoa vai querer ir rezar e outros que não. Depois desses 30 dias, você tem que voltar à vida, à rotina normal. Não pode ficar remoendo o luto. O último ciclo é o ano, que fecha o ciclo de luto. O judaísmo diz que depois de um ano você está proibido de dar pêsames. Por quê? Porque já foi. Se não, as pessoas utilizam o luto para outras coisas que não tem nada a ver com o luto. Todo ano, no aniversário do falecimento, você faz uma reza, uma contribuição filantrópica em homenagem à pessoa, e retoma as memórias do morto. A tradição judaica te obriga a manter essa memória acesa. Porque no dia a dia ninguém acorda pensando em tudo isso.

O judaísmo defende a imortalidade da alma?

Na Igreja Católica, as crenças ocorrem de forma vertical. Há um papa que diz como as coisas são e não há alternativas. Na judaica, elas são horizontais. Há várias possibilidades. Não há uma única voz oficial. Se você falar com 35 rabinos, terá 35 versões diferentes. É bem mais caótico e menos regrado. O judeu acredita que a vida tem continuidade. Agora, como essa continuidade se dá é onde entram as interpretações. Para uns, a continuidade significa continuarmos através dos filhos, da família. Não apenas família biológica, mas pode ser também um professor, um mestre. O ponto de consenso é que a morte não é o fim da vida. Na medida em que você mantém a pessoa acesa, ela continua te inspirando e é eterna.

A ideia de haver uma terra dos mortos e de que um dia eles poderão ser ressuscitados é figurativa?

 Nessa questão já não temos tanta unanimidade. Discute-se se isso é uma metáfora ou se é literal. Se é poesia ou prosa. Eu acho que é poesia. Na bíblia, há uma visão do vale dos ossos, do profeta Ezequiel, que começam a ter o processo inverso de virar ossos, ganhando tendões, carne, pele, até ressuscitarem. Para mim, é metáfora. Eu não acredito que as pessoas vão ressuscitar, ainda que alguns colegas meus, rabinos, acreditem que sim. E falam que o processo vai começar pelo Monte das Oliveiras em Jerusalém. Por isso, é o cemitério mais caro da galáxia.

Como você descreveria Deus para uma criança?

O problema da pergunta é que a tradição judaica tem diferentes maneiras de enxergar como é Deus. É difícil você encontrar uma única maneira. Mas é claro que você tem que falar de Deus com as crianças desde cedo. Falar sobre a morte também e incluí-las nos rituais. Essa coisa de criança não poder ir ao cemitério é uma bobagem. Elas lidam com a morte o tempo todo, do Rei Leão até o Bambi, sem falar dos filmes mais sofisticados. Qual é o sentido da criança ver os pais chorando e não saber por que? Isso alimenta fantasias que depõem contra a criança, porque ela vai criar as piores fantasias e poderá achar que o problema é com ela, que ela fez alguma coisa errada. Tem pessoas que falam que o avô virou uma estrelinha. Que estrelinha?

É preciso ajudar a criança no momento de tristeza e incluí-la nos rituais com toda a família. Também é uma maneira de mostrar para a família a ordem reversa. No momento que você perde o ente querido, você vê no seu filho ou filha, o futuro. Portanto, ele é importante para dar forças. A criança é a garantia de continuidade.

Antes de falar com uma criança sobre Deus, você tem que falar com você sobre Deus. Para saber se você acredita em Deus. Não adianta falar algo para seu filho que você não acredita. O problema é ser hipócrita em falar coisas que você não acredita só por causa do “tem que”. E não tem problema falar uma coisa hoje e amanhã falar outra, desde que você esteja coerente com consigo mesmo. Não adianta falar para a criança ir perguntar ao rabino sobre Deus e morte. Ela quer que a mãe ou o pai respondam e não que uma autoridade externa. Não se pode transferir a responsabilidade.

Como é feita a preparação do corpo, o ritual da limpeza, para o enterro?

É feita por um grupo de voluntários da Chevra Kadisha (Associação de Cemitérios Israelitas). Esse talvez seja o trabalho voluntário mais importante que alguém possa fazer. É muito altruísta, demonstra carinho e amor nessa despedida. Ser lavado significa ficar puro e preparado para uma viagem.

Em cemitérios tradicionais, há a exumação de corpos. No judaísmo o corpo nunca mais pode ser tocado?

O corpo não é desenterrado no judaísmo. Mas a lei judaica tem um princípio maior que diz: a lei local é mais importante do que a lei judaica. Por tanto, em algumas circunstâncias, quando a lei manda (em casos de morte duvidosa, por exemplo), pode-se desenterrar o corpo.

O consolo em casos de morte prematura, de jovens, é diferente?

 Não. Essa história de que o jovem foi chamado por Deus, que Deus levou, é uma besteira. Quem vai acreditar num Deus que rouba os filhos? Quando as pessoas estão desestruturadas, apelam para explicações que não fazem sentido. O problema é acharmos que nosso prazo de validade é de 120 anos. Na verdade, não temos prazo de validade e não temos hora certa para morrer. Isso também não está vinculado a ser uma pessoa boa ou ruim. Há nazistas que morreram com cem anos.

O aborto é legalizado em Israel. Como você orienta as pessoas que solicitam sua opinião a respeito?

Na tradição judaica, o aborto é permitido dentro de certas circunstâncias. Não é um método anticoncepcional. Como rabino, eu posso orientar mas a decisão final é da mulher. O feto é uma parte da mulher. Desde o momento em que está dentro da mãe e apresenta riscos, não apenas físicos mas também espirituais e psicológicos, pode ser evitado. Uma jovem de 15 anos sem capacidade de ser mãe apresenta risco tão grave quanto um problema de coração. A lei judaica estabelece que em casos de natimorto o luto só começa após 30 dias da morte para evitar que os pais fiquem ligados ao natimorto e não queiram mais filhos. Porém, nos últimos anos, foram criadas rezas específicas para o aborto, tanto o espontâneo quanto o provocado.

O que o judaísmo diz sobre a comunicação com mortos e a reencarnação das almas?

Comunicação com mortos e reencarnação das almas não é algo que tem muitos adeptos dentro da tradição judaica. A comunicação que existe no judaísmo tem a ver com as coisas que as pessoas deixaram, seu legado e a forma como continuam inspirando os vivos.

A consciência é considerada algo a parte do cérebro?

Não há separação entre corpo e alma. É uma unidade.

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Rabino Adrián Gottfried

Leia mais em:

A morte segundo as religiões

Entrevistas

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A morte segundo o Budismo da tradição Bon https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/02/04/a-morte-segundo-o-budismo-da-tradicao-bon/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/02/04/a-morte-segundo-o-budismo-da-tradicao-bon/#respond Thu, 04 Feb 2016 11:28:09 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=832 O Budismo da tradição Bon é “a mais antiga tradição espiritual do Tibet e inclui ensinamentos e práticas aplicáveis a todas as partes da vida, incluindo nossa relação com as qualidades elementais da natureza, nosso comportamento ético e moral, o desenvolvimento do amor, da compaixão, da alegria e da equanimidade”.

Essa afirmação é da Ligmincha International, instituição internacional que tem uma represente brasileira, a Ligmincha Brasil – com a missão de preservar o Budismo Bon no Brasil. Para isso, organiza palestras, cursos online gratuitos, livros, documentários e workshops com o Geshe Tenzin Wangyal Rinpoche, que virá ao Brasil em 11, 12 e 13 de março para o workshop “Conectando-se com o Universo Vivo: Ensinamentos sobre os Cinco Elementos”.

Conversei com Geshe Tenzin Wangyal Rinpoche sobre a visão da morte dentro de sua tradição. “Tenzin” se refere a um lama, sacerdote budista. Geshe é o título de “doutor em budismo” e de yôgui – quer dizer que ele não é monge, é casado e tem um filho. Rinpoche significa precioso em tibetano. É um título usado para indicar um alto lama, geralmente reconhecido como uma nova emanação de um mestre antigo.

Ele é autor dos livros: “A Cura Através da Forma, da Energia e da Luz” – (ed. Pensamento,2 005); “Os Yogas Tibetanos do Sonho e do Sono” (ed. Devir, 2010); “Maravilhas Da Mente Natural” (Ed. Devir, 2011); “Despertando o Corpo Sagrado – Yogas Tibetanos da Respiração e do Movimento” (Ed. Devir, 2013); “Despertando a Mente Luminosa” (Ed. Devir, 2015).

A entrevista foi feita em inglês, por skype, e traduzida por mim. Procurei me manter o mais fiel possível à sua forma de se expressar. Boa leitura.

Veja mais na série: “a morte segundo as religiões”.

 Nas suas palestras, você menciona 5 elementos necessários para a criação (água, fogo, terra, ar e espaço). Como esses elementos se relacionam no processo de morte?

Qualquer criação, seja um lago, uma montanha ou uma casa, segue uma sequência determinada. Se você quiser construir uma casa, primeiro você precisa da terra (do espaço no qual ela será construída), depois você passa para o processo da construção em si, onde você precisará da água, do cimento, de todos os elementos concretos para a construção. O corpo humano segue o mesmo princípio, ele vem da chamada consciência, que surge do espaço profundo (e seria o elemento espaço, como chamamos) e aí vem o vento, o ar, o suspiro, que chamamos de prana ou tchi. Há um vento específico que chamamos de karmic Wind (vento cármico) que produz o fogo. O fogo e o vento produzem a umidade necessária para a existência do corpo físico. Cada elemento trará uma energia ao corpo físico. O elemento terra remete à carne, o elemento água seria o sangue, o fogo é o chi do corpo – o sistema digestivo, o vento é nossa respiração e o espaço é a consciência. A sequência da criação é espaço – vento – fogo – água e terra.

A sequência da dissolução (morte) é oposta à da criação. Quando morremos, a dissolução ocorrerá da terra ao espaço (terra- água – fogo – vento e espaço).

No momento da morte, as pessoas leem uma prece chamada Bardo por 3 dias e 4 noites, por 24 horas sem parar. Essa prece fala sobre o processo da dissolução do corpo, como ele ocorre e por que. Também menciona que não devemos teme-lo. É todo um processo que envolve uma série de conhecimentos a respeito.

Observação da Camila: o Tenzin me enviou a prece. Ela diz que quando a energia do elemento terra se dissolve em água, experienciamos o colapso do corpo, com visões esfumaçadas e miragens. Quando a energia da água se dissolve no fogo, o corpo empalidece e a pessoa fica com muita sede, com a língua seca. Há visões de enchentes. Quando a energia do fogo se dissolve no vento, o corpo fica frio e os canais não podem mais ser sustentados (os budistas e yôgues acreditam que as energias sutis do corpo passam por estruturas que chamam de canais). A pessoa tem visões de “moscas de fogo”. Quando a energia do vento se dissolve na consciência, a respiração para, os olhos giram para cima e há visões como a de assoprar uma lamparina. Quando a consciência se dissolve na base de tudo, a sensação dos órgãos internos cessa.

Como alguém pode meditar sobre a morte e quais aprendizados pode-se tirar disso?

 Uma das coisas mais desafiadoras e difíceis que temos como seres humanos é nos adaptarmos a mudanças em nossas vidas, independente de serem mudanças boas ou ruins. A ideia de mudança é assustadora e é muito difícil querermos mudar. Então, como um ser humano, sabemos menos sobre a beleza da nossa existência e mais sobre aquilo que consideramos ser nosso, nos pertencer: minha vida, meu marido, meu trabalho. E quando perdemos algumas dessas coisas, temos muita dificuldade de processar a perda.

Mudanças são muito difíceis e a morte é uma grande mudança, por isso ela é difícil de ser aceita. As pessoas acham que a morte é o fim das coisas, ela é vista como um fracasso. É difícil aceitar um fracasso, é difícil aceitar um fim, é difícil aceitar o desconhecido, é difícil aceitar o não ter o controle sobre alguma coisa. Então, em nosso sistema de meditação, tentamos encarar a realidade da morte: ela existe, vai acontecer e não adianta evitá-la como nossa cultura faz. Por isso, vamos falar a respeito, vamos sentir, vamos nos preparar para morrer, e assim, vamos morrer melhor. Não significa que não amamos a vida e uns aos outros, mas sim que aproveitamos a vida e estamos, ao mesmo tempo, nos preparando para a morte. Tentamos atingir um momento de profunda meditação, de calma e silêncio interno e entrar num estado onde a consciência atinge seu estado de “espaço”, no qual você percebe que não existe um fim, que na essência você não vai mudar, porque o espaço não muda. Uma nuvem pode mudar, ventos podem ir e vir, tempestades podem ir e vir, mas não poderão afetar o espaço. Da mesma forma, você envelhece, adoece, várias mudanças ocorrem, mas você nunca vai mudar. Se você experienciar esse estado mais vezes, terá menos medo da morte e poderá se preparar melhor. Recomendo a leitura do livro “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer (ed. Palas-Athena, 2015)” e o meu livro “Os Yoga Tibetanos do Sonho e do Sono” (ed. Devir, 2010). Esse livro fala sobre como o sonho está relacionado com a morte, na medida em que a prática de sonhar lucidamente pode ajudar na preparação para a morte.

Como você recomendaria falar sobre morte com crianças?

Crianças já falam sobre morte entre elas. Então eu acho que, ao invés de falar sobre morte com as crianças, deveríamos escutá-las quando elas falam sobre a morte entre si. Isso me parece mais importante. Aí você pode entrar com cuidado na discussão, falando que a morte não é algo errado, que é algo natural, que elas não precisam ter medo, que é ok falar a respeito. Um dia, meu filho de dez anos estava triste refletindo sobre a morte. Ele me perguntou se eu ia morrer um dia e eu disse que sim. Ele não queria que as pessoas morressem, não entendia porque todo mundo tinha que morrer. E comentou que na próxima reencarnação queria ter o mesmo pai e a mesma mãe, não queria começar tudo de novo com “estranhos” (risos). Em um minuto, ele estava chorando e logo em seguida mudou de assunto completamente – me disse que gostaria de casar com uma mulher tibetana mas havia poucas tibetanas nos Estados Unidos (onde vivemos). Ele passou do assunto “morte” para planejar sua vida.

Você acredita que a morte do corpo é necessária para a raça humana? Poderíamos ter um corpo imortal com os avanços da medicina, por exemplo?

A morte do corpo físico é muito importante para o processo. Sua morte nessa Terra é tão importante quanto seu nascimento nessa Terra.

Podemos nascer em outros planetas?

Claro. E também podemos nascer nessa Terra em qualquer outra forma, como pássaros e assim por diante.

Por que não podemos acessar esses outros universos?

Esqueça os outros planetas, temos que antes de tudo aprender a nos comunicar entre nós, nesse planeta aqui. Aí podemos tentar nos comunicar com outros universos (risos).

Você costuma dizer que nós não envelhecemos e não morremos. Em que sentido isso ocorre?

No sentido de que nossa essência – a consciência – é um espaço além do tempo e não envelhece. Se você lembrar de um momento em que estava triste ou chorando, você pode pensar que estava perdendo alguma coisa naquele momento. Mas há muitas coisas que você não estava perdendo naquele momento. Você não está perdendo seu corpo, seus olhos, seus pais, sua casa. Mas você não pensa nisso, você pensa na perda. Temos a tendência de focar no que não está durando, no que estamos perdendo.

O sonho lúcido comentado pelo budismo se assemelha a conceitos como a projeção astral (ou projeção consciente) e experiências fora do corpo?

Não entendo muito bem o que as pessoas querem dizer com projeção astral, mas as pessoas têm a tendência de se desconectar de seu corpo e se desconectar da realidade. Em nossos ensinamentos, não recomendamos isso. A prática do sonho lúcido é a habilidade de trazer maior flexibilidade e conscientização ao mundo real. No mundo não real não temos flexibilidade, ficamos presos, emperrados. No sonho, temos essa flexibilidade e maior liberdade. Então seria trazer esse comportamento de sonho para a realidade, com liberdade total.

O que significa, na prática, ter essa liberdade total?

Não tomar decisões com base em medos e esperanças, mas sim na conscientização (awareness) e naquilo que a situação requer. Não seria focar no presente, mas sim estar no presente, baseado no que o presente requer e não nas necessidades dos seus medos. Por exemplo, quando um cristal brilha, o cristal não planeja brilhar e ele não ficará ofendido se você falar que o brilho dele não é tão bom. Se a mente precisar brilhar, ela brilhará, mas se não houver uma razão para brilhar, ela não brilhará. Não há uma personalidade. Liberdade total é não ter personalidade.

Há evidências que suportam alegações de reencarnação?

Pessoalmente, eu prefiro não falar muito sobre isso. Mas a Universidade de Virginia tem feito um trabalho grande sobre as pessoas que lembram de suas vidas passadas e eu recomendo que os interessados olhem para esse trabalho acadêmico. (observação da Camila: sobre isso, encontrei os trabalhos de Ian Stevenson, que foi o diretor do departamento de psiquiatria da Universidade de Virginia e tem pesquisas e livros a respeito).

Mente e cérebro são a mesma coisa?

São diferentes. O cérebro é o suporte da mente, como uma casa. A mente já está presente antes do cérebro existir. Muitas pessoas sem teto pensam que elas têm uma casa, e elas têm, porque o universo é a casa delas. É difícil ver o universo como sua casa. É uma perspectiva completamente diferente de espaço. Demências muitas vezes não estão apenas associadas ao cérebro, porque pode haver a interferência de componentes cármicos, por exemplo.

Há formas de provar que são diferentes?

Os neurologistas falam muito em plasticidade do cérebro hoje em dia. Mas o cérebro não expande sozinho, alguém faz esse processo. Isso é um sinal de que a mente está presente e influencia o cérebro. A mente pode mudar as químicas do cérebro, o tamanho do cérebro, a flexibilidade do cérebro. Esses são sinais claros e eu tenho certeza de que outros virão.

Há alguma questão sobre consciência, corpo, vida ou morte que a ciência ainda não conseguiu responder?

Eu tenho certeza de que há muito que a ciência não sabe e continuará não sabendo totalmente se não mudar sua metodologia. A ciência sempre requer que algo seja repetido. Mas num nível muito profundo, a repetição é sempre criada pela mente que está buscando um sentido. Então, objetivamente, é muito difícil de analisar, porque a mente ofusca tudo.

Há uma relação entre doenças físicas e a mente?

Sim, todas as doenças físicas são um produto da mente. A mente pode criar, prevenir, curar, ou pode piorar uma doença. Se a mente está num lugar meditativo de silêncio e quietude, ela vai prevenir doenças. Se a mente estiver totalmente desconectada com isso e se projetar nos seus medos, fará a doença piorar. O instrumento para colocar a mente nesse local é a meditação. É claro que outras coisas ajudam, como uma boa massagem, o contato com a natureza, estar ao lado de pessoas boas… Tudo aquilo que oferecer o mesmo resultado que a meditação oferece.

O que é o Budismo Bon e qual sua diferença em relação ao Budismo Tibetano?

O Bon é a tradição mais antiga do Tibet, a mais anciã, que há existe há milhares de anos, antes do Budismo Tibetano. Muitos ensinamentos são semelhantes e outros tornaram-se semelhantes ao longo do tempo. O Budismo Bon é mais conectado com os elementos (os 5 elementos) e com a natureza. Alguns cânones (um conjunto de textos sagrados) são diferentes, algumas deidades são diferentes, a ênfase no trabalho com os elementos e com a natureza é bem diferente também, mas no que se refere a praticar compaixão, acreditar em carma e reencarnação é o mesmo.

Porque a cremação é preferível ao enterro?

De maneira geral, a cremação é a dissolução do corpo no espaço e nesse sentido parece ser uma forma mais limpa de dissolução do que deixar algo para trás (como no enterro). Tipicamente, deve-se esperar 3 dias e 4 noites para rezas, antes da cremação.

Você pode falar com os mortos?

Eu não cheguei a falar, mas tive uma sensação de comunicação quando meus pais morreram. Mas é possível falar com os mortos sim.

Você chora quando alguém que gosta muito morre?

Sim, eu chorei quando minha mãe morreu. É um sofrimento natural. É bom poder experienciar o luto e expressá-lo.

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Rogelio Flores
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A morte segundo a conscienciologia https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/28/a-morte-segundo-a-conscienciologia/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/28/a-morte-segundo-a-conscienciologia/#respond Thu, 28 Jan 2016 15:13:53 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=828 A conscienciologia coloca-se como o estudo integral da consciência. O termo foi proposto publicamente pela primeira vez em 1981 por um conjunto de pesquisadores liderados pelo médico brasileiro Waldo Vieira, morto no ano passado. Partem do princípio de que a consciência é independente do cérebro e teria a capacidade de se projetar para fora do corpo de forma autoconsciente, em dimensões chamadas de extrafísicas. Por isso, seu principal campo de estudo é a projeciologia, popularmente conhecida como projeção astral ou experiência fora do corpo (OBE). É comum escutarmos pessoas comentarem que tiveram um sonho muito lúcido ou que voaram pelo quarto e viram seu corpo dormindo na cama. Para a conscienciologia, não há sonhos lúcidos, mas sim projeções da consciência.Também estudam fenômenos como a telepatia.

Como o espiritismo, consideram a vida após a morte e a reencarnação, mas preocupam-se em utilizar um vocabulário mais objetivo. Um slogan muito divulgado é o “princípio da descrença”, segundo o qual “não se deve acreditar em nada, pois o mais importante para cada indivíduo é usar o senso crítico, o raciocínio, e aprender com as próprias experiências”. Uma grande diferença que se coloca em relação ao espiritismo é não usar o papel de um intermediário para a comunicação com outras consciências, como o médium. Cada um deve ser treinado para tornar-se seu próprio “médium”. O autoexperimento é usado para o fortalecimento de teorias relacionadas aos fenômenos observados.

Conversei com Luiz Cláudio Pereira Costa, professor e palestrante, coordenador do Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia (IIPC-Brasília), uma instituição educacional que tem o título de “utilidade pública federal”. Segundo o site do IIPC, trata-se de um instituto de pesquisa sobre as ciências da projeciologia e da ciensciologia. Nas perguntas, procurei usar terminologias e conceitos oferecidos por Luiz Claúdio, para maior identificação e respeito.

 

O que é a conscienciologia?

Hoje, a conscienciologia é uma proposta de ciência focada em um novo paradigma – o estudo da consciência de forma integral, partindo de premissas que envolvem a consciência que se manifesta em outras dimensões. É a consciência que interage com as energias e as bioenergias e a consciência que tem múltiplas vidas (aquilo que as religiões chamam de reencarnação). A conscienciologia não é uma religião, mas ela estuda as manifestações que as religiões se apropriam. Ela não é um movimento estritamente filosófico, porque ela é experimental. Mas foca muito na auto experimentação, ou seja, o próprio pesquisador também é objeto de pesquisa. Por isso, precisamos de um novo paradigma que sirva de base para trabalhar com algumas proposições que a ciência tradicional não considera.

Ela é uma dissidência do espiritismo?

O Waldo Vieira, um dos propositores da conscienciologia, foi um dissidente do espiritismo. Ele nasceu em berço espírita e, em dado momento, propôs o estudo da projeção consciente, da saída da consciência para fora do corpo. Sua proposta não foi muito bem aceita pelo espiritismo, por eles terem uma grande dedicação aos médiuns – papel descartado pelo Waldo, na medida em que ele coloca a própria pessoa como capaz de entrar em contato com outras dimensões para explorar o conhecimento.

A não presença de intermediários – os médiuns – seria a principal diferença entre a conscienciologia e o espiritismo?

A principal diferença é que a conscienciologia não vai se pautar em crenças. Um slogan que é muito utilizado é o “princípio da descrença”, que é não acreditar em nada do que é dito em palestras e livros, mas sim buscar elaborar suas próprias verdades de acordo com suas próprias experiências. A verdade na ciência é relativa, ela é uma descrição da realidade que serve para você até que alguém venha e a refute. Então, quando você parte do princípio de que tudo o que está sendo dito não é verdade, você fica, de certa forma, imune a qualquer lavagem cerebral ou a qualquer dogma que é imposto para você. Você mesmo vai experimentando e descrevendo a realidade. E, claro, comparando com os outros pesquisadores e buscando consensos.

Que tipos de experimentos são feitos?

A projeção da consciência foi a primeira proposta de experimento. A projeção consciente tem uma utilidade, ela é algo sério, não é algo de lazer ou entretenimento. Da projeção consciente, evoluímos para o estudo da própria consciência. Então, a projeção consciente virou uma ferramenta de autodesenvolvimento. A partir disso começamos a abordar vários outros fenômenos que se relacionam com a projeção consciente.

Quais outros fenômenos são estudados?

O estudo de vidas passadas utilizando a projeção consciente, por exemplo. Fazemos experimentos para perceber o processo de interação energética, buscando alguns experimentos para trabalhar aquilo que chamamos de corpo energético, que seria um outro corpo que a consciência possui. Esse corpo possibilita fenômenos como clarividência, clariaudiência, fenômenos de retrocognição, que é relembrar vidas passadas, ou precognição, que é captar fatos que ainda vão ocorrer – aquilo que chamam de premonição. Trabalhando com a bioenergia, conseguimos desencadear todos esses fenômenos e eles podem ser usados para o seu próprio desenvolvimento.

Como você pode diferenciar uma experiência real de uma fantasia?

Precisamos entender todos os tipos de estados alterados da consciência para poder diferenciar aquilo que estamos vivenciando. E temos que partir de hipóteses. Ensinamos a própria pessoa a investigar para diferenciar um sonho de uma projeção, por exemplo. Mas a comprovação é da pessoa, o processo ainda é muito subjetivo.

Há formas mais objetivas de validação?

Sim, existem experimentos feitos com energia como os de telepatia e os de precognição que acabam se comprovando. Mas é necessário uma metodologia que permita verificar de fato se o fenômeno ocorreu. Eu já vi, em sala de aula, experimentos como o de colocar objetos em outras salas e as pessoas se projetarem até lá e descreverem com exatidão cada objeto. Eu precisaria repetir esse experimento diversas vezes para provar que essa capacidade realmente existe, mas em algum momento a pessoa falha. Parece que tem uma outra variável que a gente não controla.

O que faz algumas pessoas serem mais propícias do que outras para experienciar uma projeção da consciência?

É uma pergunta muito comum em sala de aula. Algo que pode contribuir para uma maior predisposição é ter trabalhado com esse tipo de energia em outras vidas, mesmo que tenha sido através de alguma religião ou algum tipo de ritual. Abusos e medos que são colocados pela família, e pela sociedade, atrapalham bastante essa disposição.

Porque algumas pessoas lembram de sonhos, ou projeções, e outras não?

O interesse por esse tipo de estudo interfere muito. Existem técnicas para trabalhar a memória. Muitas vezes, a dificuldade está no retorno da consciência para o corpo físico. Se ela desenvolver a capacidade de memória do corpo físico, ela pode começar a lembrar das suas próprias projeções. Uma das técnicas é ter um caderninho ao lado da cama para relatar tudo o que aconteceu durante a noite, mesmo quando não se lembrar de nada. Tem que ter persistência e paciência. Também há a autossugestão – antes de dormir, você pode emitir pensamentos sugestivos como “eu vou despertar no extrafísico”, “eu vou lembrar da minha projeção”. Muitas pessoas começam a despertar no próprio quarto e a ver seu corpo na cama.

Como diferenciar um sonho de uma projeção?

Há uma lista de fatores que podem ser usados para verificar se você está projetado ou não. O sonho é uma criação subjetiva, onírica. Isso quer dizer que ter um alto nível de lucidez, de racionalidade, indica que você está projetado. O sonho é repleto de absurdos cognitivos. Você se depara com situações muito estranhas em sonhos sem criticidade – você não é crítico em relação a elas. Se você para em algum momento e tem a consciência de que está sonhando, é um sinal claro de que é uma projeção e não um sonho. Sonhos lúcidos não são sonhos, são projeções com um nível de lucidez ainda um pouco mais baixos.

Também é possível verificar algumas informações que você capta quando está fora do corpo. Em sonhos isso não ocorre. Outra coisa é encontrar alguém que vai lembrar da mesma projeção – o que não ocorre em sonho, já que ele não é compartilhado. Encontrar pessoas que você nunca viu na vida e ter uma conversa de alto nível, de conhecimento ou de acolhimento, também indica uma projeção. Outro exemplo é ir a lugares que você nunca foi e depois confirmar a sua existência. Uma característica forte também é voar. Geralmente, os voos não são sonhos, mas sim projeções.

O que alguém pode fazer durante uma projeção consciente?

Isso é importante porque quando a pessoa tem uma ausência de sentido, ela não avança. Às vezes, encontramos pessoas que saem do corpo e não têm ideia do que fazer com isso. Tem muita coisa para você investigar, Primeiro, entender porque você funciona de um jeito, porque você tem uma certa personalidade ou determinado traço que te atrapalha. Algumas dessas condições podem ser investigadas quando você está fora do corpo porque você sente as manifestações emocionais mais intensas.

Também é possível investigar vidas passadas e tentar se conectar com alguém que possa te orientar. Outra possibilidade é tentar acessar uma memória integral da consciência, o “bolo memória”, que é o conjunto de todas as memórias de todas as vidas de uma pessoa. Pode ser útil para essa vida em questão.

Há alguma relação entre a conscienciologia e a física quântica?

A conscienciologia vai usar uma base de premissas para construir seu conhecimento que difere muito da base da física quântica. A física quântica é uma ciência que quebrou um paradigma e passou a investigar a matéria com outro enfoque. A dimensão da conscienciologia é uma dimensão da consciência, ou seja, é uma dimensão que uma consciência se manifesta. Ela não é física. Eu não posso relacionar essa dimensão com a da física quântica, porque as bases de cada uma são diferentes. Uma coisa que é interessante nas duas é que ambas propõe uma quebra de paradigma.

Você acha que um dia a tecnologia pode se apropriar de fenômenos como a telepatia e a projeção consciente?

Penso que sim. Hoje, não temos a instrumentação para provar que uma pessoa saiu do corpo, por exemplo. Ela pode descrever os objetos que estão na outra sala, mas eu não consigo filmar essa consciência – que os espíritas chamam de espíritos – indo até lá e identificando os objetos. Apostamos que isso vá avançar para captarmos alguns desses processos de energia, inclusive o da telepatia.

O que é a morte para a conscienciologia?

A morte é apenas uma transição de dimensão. É um descarte, uma desativação de um corpo biológico e o retorno a uma dimensão extrafísica. Essa abordagem não difere muito da do espiritismo, mas procuramos não utilizar os mesmos termos, porque alguns termos provocam emoções que atrapalham a comunicação. Chamamos a morte de “descarte do soma” e não de desencarne. No momento da morte, a pessoa perde a vitalização do corpo físico e com isso começa a descartar lentamente aquele corpo e passa a ficar mais livre em outra dimensão. Essa consciência passa a ganhar mais lucidez, porque o corpo físico é um conjunto de energias mais densas que limitam a lucidez da consciência. É um processo muito interessante que as pessoas ainda encaram com muito temor.

Essa consciência mantém um gênero após a morte, por exemplo?

Consideramos que uma pessoa tenha múltiplas vidas e possa vir com um sexo diferente. Mas ao descartar o corpo físico, ela mantém a mesma fisionomia da sua última vida. Isso tem algumas funcionalidades como a de ser reconhecida por parentes quando ela aparece para os vivos. Muitas vezes, a consciência pode transmutar para o visual da vida que teve uma maior evolução, mas a maioria escolhe a aparência da última vida.

É dolorido passar por esse processo de lucidez com a morte?

A lógica dessa vida humana é interessante. Vamos nos colocando em cenários – que são as vidas nos corpos físicos – e nesse psicodrama real vamos evoluindo, desenvolvendo uma maturidade que nos dará uma capacidade para entender todo o mecanismo da vida, o que rege as dimensões, para onde vamos depois da morte, qual é o propósito da vida, essas perguntas filosóficas… Quando renascemos, perdemos essa memória e ficamos buscando, pela intuição, o sentido da vida. Ainda somos incapazes de romper com as dificuldades de um corpo físico mais denso.

Há um ditado interessante que diz que quando você eleva a sua vista, você não vê mais fronteiras. A projeção consciente é isso. Você eleva sua visão e pode quebrar seus paradigmas pessoais, seus preconceitos.

Durante uma projeção da consciência é possível encontrar alguém que já morreu?

Sim, podemos encontrar uma pessoa que já descartou seu corpo físico. Já aconteceu comigo, quando encontrei meu pai. Ele se aproximou com alguém que eu não conhecia. Ele sabia que estava morto e relatou uma dificuldade em lidar com os pensamentos e com a memória depois da morte. Ele estava com ciclos de amnésia. Em alguns momentos, ele não lembrava da família. Ele estava se adaptando a um corpo extrafísico, já que estava pensando sem o uso de um cérebro físico. Existem pessoas que ainda não sabem que morreram. Existem consciências que ficam adormecidas, aguardando um juízo final. Ou ficam achando que ainda estão vivas e entram numa psicose de criar um ambiente que a proteje de uma realidade que ela não quer ver, como ocorre no filme “O Sexto Sentido”. É um mecanismo de defesa utilizado até que a pessoa tenha maturidade para entender que morreu. Em casos de acidentes, quando a transição para o extrafísico é muito rápida, pode ser mais difícil.

Uma leitora me escreveu relatando que a conscienciologia foi a melhor forma que ela encontrou para lidar com o luto da perda de seu filho de 16 anos. De que forma vocês podem ajudar no luto?

Com o autoconhecimento. Primeiro, entendendo quem ela é nesse contexto de vida. Esse entendimento não ocorrerá por uma crença, mas sim pela prática da projeção consciente, que dará um indicativo de que o processo da morte não é a finitude do ser, mas sim do corpo biológico.

Outro processo que ela pode investigar é tentar entender porque esse filho partiu mais cedo. Um encontro com o filho pode ajudar bastante também. Na nossa atuação, percebemos consciências amparadoras, no extrafísico, que ajudam outras que passaram recentemente pelo processo de morte. Podemos fazer um trabalho junto com essas consciências, que chamamos de “Tarefa Energética Pessoal”.

Uma diferença em relação ao centro espírita é não criarmos dependência com as pessoas, porque não usamos um médium, mas sim procuramos capacitar a pessoa para ter autonomia evolutiva. A própria mãe entra em contato com o filho nesse caso. Já vi muito isso acontecer. Mas há casos em que há uma barreira que não conseguimos atuar.

Você tem ou tinha alguma religião específica?

Não sou religioso. Eu comecei a querer investigar fenômenos porque eu percebia esses fenômenos, eles ocorriam comigo. Então passei a frequentar vários movimentos que envolviam energia, como o reiki. Em algum momento cheguei no espiritismo, porque eu queria usar minhas percepções para fazer algum tipo de auxílio e o espiritismo tem essa abordagem assistencial. Trabalhei como médium durante 3 anos numa casa espírita e comecei a ter algumas divergências em relação a crenças colocadas. Eu não me identificava com a questão religiosa e acabei conhecendo o IIPC (Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia), onde iniciei com um trabalho voluntário.

Como a conscienciologia trabalha o tabu da morte?

A nossa maior fonte de angústia é a morte. A gente precisa caminhar para entender o processo da morte e não ter medo disso. A conscienciologia vai atuar nesse aspecto. Muitas pessoas chegam com medos e vamos buscar a raiz de cada um. Geralmente, a raiz é o medo da morte. Hoje, ainda existe uma cultura que reforça muito o processo emocional da morte, ou seja, você é obrigado a chorar em um enterro, porque é falta de educação não chorar. Eu já vi fazerem isso com crianças.

Como ocorre a morte do corpo físico?

Existe uma equipe técnica no plano extrafísico que auxilia na morte da pessoa. Eles ajudam o corpo de energia a ir se desconectando do corpo físico. Há um campo energético que precisa ser desativado e isso é feito de forma técnica por pessoas que sabem como fazê-lo. Eu atuo como auxiliar dessa equipe, agindo no corpo físico de acordo com orientações que recebo dessa equipe – as ações são sugestionadas na minha mente, como colocar a mão na testa da pessoa, ou no peito, ou seja, é um movimento direcionado. Eu percebo a consciência saindo do corpo e se aproximando de mim. A partir disso, os aparelhos passam a sinalizar que o corpo está morrendo.

Leia mais sobre esse tema no blog:

Experiências de quase morte – passagem de ida e volta para a morte

Mais em “entrevistas”:

A morte segundo o espiritismo

A morte segundo Frei Betto

Entrevista com o coveiro-filósofo Fininho

Entrevista com Eliane Brum

Entrevista com Ana Claudia Arantes – cuidados paliativos

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Ilustração do site do IIPC – Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia
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A morte segundo Frei Betto https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/20/a-morte-segundo-frei-betto/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/20/a-morte-segundo-frei-betto/#respond Wed, 20 Jan 2016 12:14:23 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=820 “Morrer se tornou uma falta de aducação”, diz Frei Betto nesta entrevista realizada por e-mail e complementa: “nessa cultura da glamourização do corpo, para a qual a velhice é humilhação, tentamos nos convencer de que somos imortais….”. Ele prefere usar a palavra transvivivenciar para se referir à morte, e ao ser questionado sobre qual título daria para seu obituário, responde: “Transvivenciou um peregrino de Deus que viajava a bordo de um paradoxo”.

Como escrever seu próprio obituário

Seu livro infantil “Começo, Meio e Fim” (Rocco, 2014), sobre como falar sobre morte com as crianças, parte do princípio de que “a morte é um importante rito de passagem e quando a encaramos com naturalidade damos mais valor à vida”.

Frei Betto fala sobre suicídio, aborto, e o principal problema filosófico da atualidade – “a desistorização do tempo”.

Com 60 livros editados no Brasil e no exterior, vencedor e finalista de vários prêmios literários, esse Frade dominicano (uma ordem religiosa católica) nos oferece iscas para reflexões. Boa leitura.

Como a ordem dominicana ou a Teologia da Libertação veem a morte?

Encaramos a morte segundo as palavras de Jesus nos evangelhos – é uma travessia (= páscoa, passagem) desta vida para a vida eterna. Porque acreditamos no testemunho dos apóstolos de que a morte não venceu Jesus, conforme descrevo em meu romance “Um Homem Chamado Jesus” (ed. Rocco, 2009). Ele ressuscitou. É uma questão de fé.

Para onde vamos quando morremos? 

Para a plenitude do amor de Deus, que a linguagem expressa por metáforas – Céu, Reino de Deus etc. O Universo é o ventre de Deus. Quando nascemos, todos riem e nós choramos. Quando transvivenciamos (não gosto da palavra morte), todos choram e nós sorrimos.

Existe alma e espírito? Eles acabam com a morte?

Em meu livro “A Obra do Artista – Uma Visão Holística do Universo” (Ed. José Olympio, 2012) trabalho com os conceitos da física quântica, acentuando que toda matéria é energia condensada. Portanto, o espírito ou a alma estão em nosso coração e também na unha que acabamos de cortar. Somos uma unidade de matéria e espírito. Não há conflito entre os dois, exceto para cabeças platônicas… Por isso o apóstolo Paulo escreve que todo o Universo será resgatado em Cristo, e nós teremos, do outro lado da vida, um corpo espiritual… conceito difícil de ser assimilado por nossa cultura influenciada pela filosofia de Platão. O dualismo platônico não existe na Bíblia.

A morte segundo o espiritismo – entrevista com Heloísa Pires

Há um julgamento sobre nossos atos quando morremos?

Segundo os evangelhos, seremos julgados de acordo com as doses de amor e desamor ao longo desta vida. Mas também Jesus acentua que Deus é sumamente misericordioso, como o pai da parábola do filho pródigo. Penso que quanto mais somos capazes de amar nesta vida – e, portanto, desdobrar o nosso ego (fonte do ego-ísmo) – mais absorveremos a plenitude do amor de Deus.

O que te inspirou para escrever seu livro infantil “Começo, Meio e Fim” (ed. Rocco, 2014) – sobre falar de morte com as crianças?

Muitas famílias cometem o erro de não levar crianças em velórios e enterros ou cremações de entes queridos, como os avós. Para a criança, fica a sensação de que aquele pessoa amada foi abduzida… Isso me levou a escrever sobre a morte para crianças. É preciso desmistificar a morte, hoje banalizada pelo excesso de violência no noticiário, na TV e em filmes. A morte é um importante rito de passagem e quando a encaramos com naturalidade, damos mais valor à vida.

Você lembra do seu primeiro contato com a morte e como reagiu?

Sim, quando minha tia Dirce faleceu de pneumonia. Eu tinha 4 anos. O velório foi na sala da casa de meus avós maternos. Ali estava o caixão. Pedi um banquinho para poder chegar à altura de observar o corpo. Isso me fez bem.

Como aconselha alguém a lidar com um parente que está perto de morrer? 

Acompanhei muitos doentes terminais, como Tancredo Neúdves, Carlito Maia e outros menos conhecidos. Deve-se passar tranquilidade, orar com a pessoa (se ela tem fé), passar carinho (ficar de mãos dadas), ajudá-la a se resignar com o destino inelutável. Mesmo quando o enfermo não tem fé, pergunto se quer receber a bênção da saúde. Nunca ouvi um não. E quem mais me surpreendeu ao dizer sim foi Giocondo Dias, então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, quando o visitei no hospital em Moscou, conforme descrevo em “Paraíso Perdido – Viagens aos Países Socialistas”(Ed. Rocco, 2015).

Há um tabu da morte no Brasil? 

Sim, morrer se tornou uma falta de educação. Já não tem choro nem vela nem fita amarela. Da UTI segue-se para o rápido velório e, dali, para o enterro ou cremação. Não se guarda luto, nem se faz um culto pelo falecido. Isso porque tememos encarar a morte de frente. Nessa cultura da glamourização do corpo, para a qual a velhice é humilhação, tentamos nos convencer de que somos imortais… Até porque, à nossa volta, lidamos com incessantes mortes virtuais, do bonequinho do videogame às chacinas na periferia e aos filmes belicistas. Os outros morrem… eu não!!!

Qual é o principal problema filosófico dos nossos tempos? (ou um deles pelo menos)

A desistorização do tempo. Devido ao neoliberalismo, estamos perdendo a consciência do tempo como história. Tudo é aqui e agora… Ora, toda a cultura ocidental está apoiada na historicidade, que os hebreus assimilaram dos persas. Por isso ela é marcada por três eminentes judeus: Jesus, Marx e Freud. Sem a percepção do tempo como história, o legado deles perde o sentido. Mas o neoliberalismo insiste em afirmar que “a história acabou…”

O suicídio é um pecado ou um direito? 

Um direito exercido por quem já perdeu a saúde mental ou, como no caso de Frei Tito de Alencar Lima (Vide meu livro “Batismo de Sangue” ed. Rocco, vencedor do prêmio Jabuti em 1982), por quem teme perder o livre arbítrio. Como bem disse Dom Paulo Evaristo Arns, Tito não se matou, buscou do outro lado da vida a unidade perdida deste lado em consequências das cruéis torturas que sofreu.

Pecado é culpar um suicida.

O aborto é crime?  

Depende da lei de cada país. Sou pela descriminalização do aborto, embora contrário a ele, pois conheci muitas mulheres que abortaram, mas nenhuma que me tenha dito que foi “uma curtição”…

Você acha que um dia, com o avanço da tecnologia, poderemos deixar de morrer?

Minha fé no futuro da humanidade não chega a tanto… Como bem frisa Simone de Beauvoir em “Todos os Homens são Mortais” (ed. Nova Fronteira), seria muito enfadonho viver para sempre. Até os imortais da Academia Brasileira de Letras morrem…

Como você vê o apocalipse descrito na bíblia e a ressurreição dos mortos? Essa ressurreição poderia ser metafórica?

Sim, são imagens metafóricas para afirmar verdades de fé: o mundo e a humanidade têm começo, meio e fim, e a morte não tem a última palavra sobre a vida. Se a vida aqui é amorosa, do outro lado ela é terna.

Haverá um juízo final, sucedido por uma guerra final na história humana?

Pura mitologia. Ao morrer renascemos em Deus.

O Armagedom será uma batalha real?

Só no cinema.

Se você morresse hoje, teria algum arrependimento?

De não ter reservado mais tempo para orar e meditar.

Se você pudesse dar o título de seu próprio obituário publicado em um jornal como a Folha, qual seria?

Transvivenciou um peregrino de Deus que viajava a bordo de um paradoxo.

Frei Betto – Arquivo pessoal

Entrevista com o coveiro Fininho

Entrevista com Eliane Brum

Entrevista com a Dra Ana Claudia Arantes – a boa morte

Entrevista: a era dos adictos

Depoimento da Tanatopraxista

Depoimento da empreendedora funerária Mylena Cooper 

 

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A morte segundo o espiritismo https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/14/a-morte-segundo-o-espiritismo/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/14/a-morte-segundo-o-espiritismo/#respond Thu, 14 Jan 2016 12:15:01 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=810 O que dizem as religiões sobre a morte? O blog inaugura uma série de artigos com entrevistas com referências dos diversos dogmas. Chamados de doutrina, filosofia, ciência ou religião, são ideias que guiam nossa concepção do que é a morte e o que vem depois dela. Mesmo quando as rejeitamos. A iniciativa parte de uma opinião minha, de estarmos cada vez mais inclinados a misturar conceitos de filosofias diferentes para formar uma crença individual e reconfortante sobre a morte. Seria um sincretismo pessoal.

Segue uma conversa com Heloísa Pires sobre o Espiritismo. Heloísa é filha de Herculano Pires (1914-1979), um forte divulgador da doutrina espírita no Brasil e tradutor de Allan Kardec. Licenciada em matemática, física e pedagogia, fortaleceu-se como oradora ministrando palestras sobre o Espiritismo. É autora de livros como “Educação Espírita” (ed. Paideia) e “Herculano Pires: O homem no mundo” (ed. Candeia).

A morte para o espiritismo não é o fim, mas sim o começo de uma outra etapa evolutiva. A vida no corpo físico é vista como um aprendizado para o espírito. Quando morremos, acredita-se que vamos para um plano espiritual, levando o aprendizado dessa vida adiante. Também se crê na reencarnação e na individualidade da alma – cada alma é única e mantem suas características no plano espiritual. Assim, a existência na Terra (e em outros planetas) é o caminho dos espíritos em direção a uma alma mais evoluída, que seria a prática da bondade e da tolerância. A caridade também é muito estimulada.

Criado na França no século XIX por Allan Kardec (o pseudônimo do pedagogo Hippolyte Léon Denizard Rivail), a doutrina se adaptou bem à vida dos brasileiros – temos a maior comunidade espírita do mundo.

 Leia mais: Entrevista o coveiro-filósofo Fininho

Como o espiritismo vê a morte?

Não existe morte. A morte é uma ilusão, ela é apenas uma viagem. Cada um vai para a atmosfera que lhe é própria. Por exemplo, um terrorista do ISIS vai estar , do lado de lá, no meio de terroristas. E vai estar em dificuldades, como ele já está aqui. Você é o que você pensa. Se você pensa bem, você vai se ligar aos que pensam bem. Não é castigo, é uma consequência do seu pensamento.

Continuamos pensando sem o cérebro?

Sim, porque não é o cérebro que pensa. Se o espírito se afasta, o cérebro morre e para de pensar. O que pensa, o que vive, o que é imortal são os espíritos. Já diziam os druidas, os monges tibetanos, os budistas, Confúcio… é um conceito que vem de séculos. Nossa civilização rejeitou a ideia de que a vida continua, de que reencarnamos, por arrogância, por vaidade.

Quando começou essa rejeição?

A rejeição começou com os primitivos cristãos, quando a mulher de Constantino não quis nascer escrava. Pela lei, quem maltrata escravos encontraria dificuldades e talvez até reencarnaria como um escravo. E ela rejeitou essa ideia. O marido, para agradá-la – porque ele era menos cristão do que político – fez um concílio acabando com a ideia da reencarnação. Mas a ideia vem de longe e continua. Os egípcios acreditavam, os esquimós… Na Índia, todos acreditam em reencarnação até hoje. Muitos políticos rejeitam a ideia de encontrar as consequências de seus atos após a morte.

Leia aqui: Entrevista com Eliane Brum

Existiria um julgamento após a morte?

É o ser que se julga. Deus colocou a lei do amor dentro de cada um, criatura criada. Deus não é um homem, é uma força, é uma luz. A pessoa é que se julga. Tanto que, quando a pessoa não se conscientiza, nasce bem e só vai se julgar quando amadurecer.

Deus é o pai da parábola do filho pródigo, ele perdoa. Como o ser é que se julga, um dos maiores problemas do ser são os complexos de culpa inconscientes.

Há um tabu em relação à morte na nossa sociedade?

Existe um medo. A filosofia existencialista, materialista e espiritualista diz que o homem entra em depressão por medo da vida e da morte. E da doença, que é uma agonia. Porque nós sabemos que o corpo é frágil. Um prego enferrujado pode causar nossa morte. Quando você sabe que você não é esse corpo físico, tem outra visão. Por exemplo, eu olho e vejo que o meu está ficando velhinho. Mas eu estou fazendo outro corpo. Na outra encarnação serei novamente jovem.

No espiritismo há um tempo especifico para se reencarnar?                                                                                                              

Falam muita bobagem. Mas analisando a literatura espírita, a gente vê que cada individuo é um universo. Por exemplo, no livro “Sexo e Destino” (psicografado por Chico Xavier), a menina morre e reencarna em menos de um ano depois.

Como é que a você sabe que existe reencarnação?

Através das dissidências muito bem feitas pelo doutor Ian Stenveson (1918-2007) e pelo doutor Hemendra Nath Banerjee (1929 – 1985), por exemplo. No tempo e no espaço, a reencarnação é provada. Entre os esquimós e algumas comunidades na África, acredita-se tanto em reencarnação que quando a criança nasce, eles colocam os objetos de quem já morreu ao lado dela e saberão quem ela é de acordo com aquilo que a criança escolheu. O doutor Ian Stenveson não era espírita, ele foi um médico psiquiatra dedicado ao estudo científico da reencarnação e publicou, por exemplo: “20 Casos Sugestivos de Reencarnação” (1966).

Qual é a relação entre espiritismo e ciência?

Espiritismo é ciência, filosofia e religião. É ciência porque tem um método de estudo, um método experimental. Tem cientistas como William Crookes (1832-1919) que provaram a existência dos fatos espíritas. É filosofia porque da comprovação do fenômeno houve uma mudança de comportamento – naqueles que realmente acreditaram. E é religião porque estabelece o religare, projeta o indivíduo no universo. E porque o processo do conhecimento é ciência, filosofia e religião. Então, ele é a síntese do processo do conhecimento, ele é o triângulo.

Espiritismo tem alguma relação com a física quântica? 

Hoje sim, hoje a física quântica está linda. Quando a física quântica diz que nós nos projetamos em várias dimensões, Allan Kardec já havia dito: estamos onde está nosso pensamento. Não estamos fechados nesse corpo, nosso pensamento atinge distâncias inimagináveis.

Essa relação dos espíritos estarem em outros planos se conecta com os mundos paralelos da física quântica?

Pode se conectar, porque é claro que existem dimensões por nós desconhecidas. E não precisa morrer para estar lá. Nesse momento, nós estamos nos projetando aqui e nas dimensões que nos são próprias. Alguns se projetam na luz, outros se projetam na sombra. Veja o exemplo da doutora Mary Neal, do livro “Fui ao Céu e Voltei” (Leya, 2013). Ela teve um acidente com um caiaque durante uma aventura no Chile e entrou em estado de quase morte. Ela se vê num mundo dos seres de luzes e encontra a avó, a babá, a tia… Ela usa a mesma linguagem que outros usaram em relatos semelhantes, mesmo sem conhecê-los. Ela diz que viu seu corpo lá embaixo, azulado, todo quebrado. Ela se lembra de não querer retornar para aquele corpo machucado. Ela é protestante e continua protestante, mas divulga a existência dos seres de luz e diz que a morte não é como os protestantes pensaram.

E quando sonhamos?

Sonhando, a gente sai do corpo. Podemos ir a outras dimensões, tanto as boas quanto as ruins. Nós somos o que pensamos e estamos onde criamos. O céu e o inferno são criações nossas. O céu é um estado de conforto físico. O inferno não existe, o que existe é um nível inferior. Mas aí a pessoa já está aqui em um nível inferior. Existe o negativo e o positivo. E o positivo pode anular o negativo, o bem anula o mal. Em um dos livros de André Luiz (espírito psicografado por Chico Xavier), um dos meninos que vai reencarnar matou seu futuro pai em uma reencarnação anterior. Pela lei olho por olho, dente por dente, deveria morrer assassinado, mas não existe isso. Existe a lei de ação e reação, mas não essa de olho por olho e dente por dente.

O que precisa para uma pessoa poder ser chamada de espírita?

 Necessariamente não precisa ser espírita, precisa ser uma pessoa boa. Meu pai (Herculano Pires) escreveu um pequeno grande livro chamado “O Reino”, onde ele diz que o critério não é ter aquela religião ou ter esse ou aquele extrato bancário. O critério é ser bom, amar o próximo e fazer o bem. Agora, nós precisamos do espiritismo como uma força maior, uma visão que dilata. Sartre e os materialistas têm catarata espiritual, veem no funil. O espiritismo, ou o budismo, dão uma dilatação de visão. O seu corpo não fica na terra nem acaba em cinzas. Você é uma luz que sai e vai.

Há algum direcionamento sobre rituais fúnebres?

Não, apenas uma prece. Você pode escolher ser enterrado ou cremado. Não há tempo de espera. Mesmo que o espírito seja muito ligado ao corpo, quando entrar no crematório, ele vai fugir.

O que você acha da psicanálise?

Respeitamos profundamente todos os grandes pesquisadores. Freud foi de uma coragem incrível. A coragem do Freud foi de contar que as crianças tinham impulsos sexuais e que os homens também tinham histeria.

O que você não concorda com Freud?

Eu não concordo que ele só via o lado patológico do sexo. Jung via o lado iluminado do ser humano. Mas Freud tinha muitos problemas internos.

O suicídio é um pecado ou um direito? 

É um momento de loucura. O suicida sofre porque ele sente as energias que não se desprenderam ainda do corpo físico. Ele não tem um castigo, mas sofre porque ainda não se desprendeu. Logo que ele permite, ele é levado para o hospital do plano espiritual.

Você já disse que a nossa sociedade é uma sociedade doente. O que quer dizer isso? 

É uma sociedade violentíssima, é uma sociedade materialista, considera as pessoas apenas pelo que têm e não pelo que são. Na verdade, é um desrespeito ao pobre, ao necessitado, ao doente. Claro que tem muita gente boa no mundo, mas os maus fazem barulho, os maus parece que dominam. Eu tenho uma teoria de que não é que eles dominam, é que os bons se encolhem por complexo de culpa – talvez tenham sido maus na outra vida e agora têm tanto medo de errar que não fazem o bem, não lutam contra a maldade. Os políticos por exemplo, só pensam em administrar o próprio bolso, e ninguém fala nada. Mas a chave para o universo é o amor.

Você acha que essa “doença” está melhorando ou piorando?

A evolução é uma espiral, tem uma subida e uma descida. Estamos na descida para preparar a subida. Essa corrupção que traz mal-estar tinha que estourar.

Nas palestras que você ministra, há algum tema recorrente trazido pelo público?

Gostam muito de perguntar sobre família. Filhos que odeiam os pais, pais que odeiam os filhos, cônjuges que não se suportam e não se largam. São os temas mais presentes. E no momento atual, a falta de emprego, perda de emprego, dificuldades profissionais. Eu aconselho sempre os especialistas da horizontal: psicólogos e psiquiatras, porque o espiritismo não dispensa tratamento médico. Ou seja, vai tomar um passe, mas vai também no psicólogo, vai no neurologista, marca uma consulta com o médico.

Os espíritos usam tecnologia?

Muito. Antes do computador aparecer na terra, André Luiz o descrevia no mundo espiritual. A tecnologia do mundo espiritual é mais adiantada do que a nossa.

O que é uma boa morte para você?

 No livro “Obreiros da vida eterna”, André Luiz conta 5 casos de morte. Quem morre melhor é uma senhora protestante. Por que ela morre bem? Antes dela morrer ela tinha uma fé muito grande em Jesus. Mesmo sentada na cadeira de rodas, doente, ela já caminhava pela casa, porque ela não estava grudada no corpo físico. E quando ela desencarna, ela é a mais lúcida, vai acompanhando toda a viagem. O espírita do livro morre bem também, ele vai com tranquilidade, mas vai chorando e sofrendo pela família que ficou. O Católico (do livro) fica grudado no corpo físico. Morrer bem é ir tranquilo, com aceitação, largar o corpo físico como uma roupa velha e partir.

Você tem medo de morrer?

Não, medo não… mas eu não queria morrer já. Quando eu me sinto mal, falo: Jesus… mais 5 anos vai. Tem que ir pedindo à prestação (risos).

Leia mais entrevistas no blog:

Entrevista com a Dra Ana Claudia Arantes – a boa morte

Entrevista: a era dos adictos

Depoimento da Tanatopraxista

Depoimento da empreendedora funerária Mylena Cooper 

Entrevista com o coveiro Fininho

Entrevista com Eliane Brum

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Adeus à carne https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/18/adeus-a-carne/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/18/adeus-a-carne/#respond Wed, 18 Feb 2015 12:38:35 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=357 Uma possível origem da palavra Carnaval é “carnis levale”, adeus à carne, ou retirar a carne, em latim. Ele é um festejo para se despedir de prazeres mundanos antes de iniciar-se a quaresma, que começa na quarta-feira de cinzas. A quaresma é um período de limpeza física e espiritual que antecede a Semana Santa – Páscoa cristã, feita por meio de jejum, abstinência da carne, caridades e orações. Assim, o Carnaval está ligado à liberdade, precedendo um longo período de privações. Outra origem da palavra Carnaval é “carnis vales”, carne prazeres em latim, indicando a celebração dos prazeres da carne, como o desejo sexual.

Segundo a tradição católica, na quarta-feira de cinzas realiza-se uma cerimônia com as cinzas queimadas dos ramos abençoados no Domingo de Ramos do ano anterior, misturadas à água benta. O celebrante faz o gesto da cruz na frente de cada fiel ao falar “lembra-te que és pó e ao pó voltarás”. Por isso, para os católicos, pode ser uma data para lembrar da morte e daqui a quarenta dias, da crucificação e ressurreição de Cristo.

O significado religioso do Carnaval brasileiro já ficou em segundo plano, mas seu berço encontra-se na Igreja, trazido pelo Entrudo português, durante o período colonial. O entrudo era um festejo que precedia a Semana Santa em que as pessoas jogavam ovos, farinha e água umas nas outras. No Brasil, o entrudo foi influenciado pelas festas carnavalescas da Europa, que tinham desfiles urbanos, máscaras e fantasias. Assim, passamos a ter desfiles nas ruas com pessoas fantasiadas seguindo carros decorados, que dariam origem aos carros alegóricos atuais. O Carnaval cresceu muito com a criação das marchinhas carnavalescas, que passou a animar os festejos. “Ó Abre Alas”, de 1899, é considerada a primeira marchinha de nossa história, criada por Chiquinha Gonzaga.

Uma ligação entre morte e Carnaval é feita no lindo filme “Orfeu Negro”, (1959) de Marcel Camus, que transpõe o mito de Orfeu para uma favela do Rio de Janeiro durante o Carnaval. É a triste história de Orfeu na tentativa de resgatar sua amada Eurídice do mundo dos mortos (Hades). No mito, Orfeu convence Caronte (o barqueiro do rio Estige, que separa os mundos) a levá-lo ao Hades, com a melodia de sua música (ele toca um instrumento chamado lira). No filme, Orfeu toca em seu violão, três músicas compostas especialmente para o longa, “A Felicidade”, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim (“e tudo se acabar na quarta feira”), “Manhã do Carnaval” e “Samba de Orfeu”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria. No link abaixo, há três cenas do filme com as composições.

 A Felicidade

(Vinícius de Moraes, Antonio Carlos Jobim)

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite, passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre com o dia
Oferecendo beijos de amor

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Funeral celeste – o impactante ritual tibetano https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/18/funeral-celeste-o-impactante-ritual-tibetano/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/18/funeral-celeste-o-impactante-ritual-tibetano/#respond Tue, 18 Nov 2014 20:15:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=134 No alto de uma das áridas montanhas do Tibet, um grupo de pessoas se reúne. Há música e contemplação. O corpo de um defunto é preparado enquanto a representação dos Dakinis (“dançarinos celestes”) se aproxima. São os urubus, aguardando para se alimentarem, num ato considerado sagrado por oferecer-se o corpo para sustentar a vida de outro ser. Alimentar os urubus, essas entidades celestes, com seus restos mortais é um bom carma e existe para ensinar a impermanência da vida.

Rafael Roldan, leitor do blog, me escreveu sugerindo essa pauta. Ele é especialista em cultura tibetana e me contou sobre a prática e os significados desse ritual.

 A música escutada é recheada de simbologias. Toca-se um tambor de dois lados, derivado do hinduísmo, conhecido como o “tambor de Shiva” e chamado Damaru. Ele representa o ritmo do universo e a alternância de pólos. Também se assopra uma corneta de fêmur humano (chamada Kang Ling), que representa a superação da dualidade. O lado assoprado tem apenas um orifício e representa a verdade absoluta e o outro lado, de dois orifícios, representa o dualismo.

Enquanto isso, a figura do rogyapa, ou “breaker of bodies” (quebrador de corpos em tradução livre), corta o corpo de uma maneira específica e o desmembra. O motivo para isso é fazer com que o corpo seja consumido mais rápido pelos urubus. Uma representação do funeral celeste é uma faca curva –  chamada de kartika – usada para esfolar o cadáver. Hoje já não se usa muito essa faca, mas seu símbolo é muito importante e representa o corte que se faz no ego.

Na entrevista do primeiro vídeo abaixo, um rogyapa assume precisar de um pouco de uísque para levar adiante a cerimônia. Mas há um significado para isso, porque o uísque é um tipo de oferenda chamada de “oferenda irada”, usada para satisfazer os espíritos assistentes de Yama, o deus da morte.

Outro símbolo característico do ritual é um sino, que é possível ser escutado durante toda a cerimônia. Os dois símbolos mais importantes do budismo tibetano são o sino de metal e o cetro. O sino representa a interdependência dos fenômenos, pois um sino nunca pode tocar sozinho, precisa de algo batendo no metal para produzir o som. Também representa a sabedoria ou esfera primordial da mente, e o cetro (dorje ou vajra), representa o método. A sabedoria é absoluta, mas os meios de se transmiti-la são inúmeros. O sino é usado na mão esquerda e o cetro na mão direita. Eles sempre precisam estar próximos, representando a união entre a verdade absoluta (sino que é a sabedoria, o feminino) e a verdade relativa (cetro, que é o masculino e por isso há uma interpretação do sino indicar a vagina e o cetro, o pênis).

O funeral celeste envolve a prática do Chöd, um ritual meditativo que depois acabou sendo praticado longe do funeral, como exercício, usando as mesmas imagens do ritual. Os praticantes do Chöd se visualizam saindo do seu corpo e se tornando um Buda (geralmente uma Buda mulher) e vêem seu corpo sendo retalhado, oferecido para pacificar demônios e deuses. O budismo diz que nosso grande referencial de identidade é o corpo, e por isso, esse é um exercício de desapego e a prática é realizada com esse fim.

Geralmente, o Funeral Celeste é feito com a leitura do livro tibetano dos mortos, que também pode ser lido durante o velório. Vou falar mais sobre o livro tibetano dos mortos em breve.

Um possível motivo para o surgimento do Funeral Celeste é um tanto quanto prático. Nas altas altitudes do Tibet, não crescem árvores, não há madeira para cremação, que é a forma mais tradicional de enterro budista, e o solo é duro demais para ser escavado. Assim, essa prática acabou sendo a solução encontrada para a disposição dos restos mortais e evitar-se a disseminação de doenças.

Alguns vídeos sobre o ritual são difíceis de serem assistidos. E os comentários a respeito vão de desgosto a nojo para belo e puro. O mais leve e poético deles está postado em primeiro, abaixo. Em seguida tem um vídeo com cenas indigestas (por favor, pensar duas vezes antes de assistir). Apesar da beleza da significância da cerimônia, achei difícil ver corpos humanos cortados como vacas e porcos no açougue. Bem, aí também tem um pouco da minha própria arrogância de achar que podemos fazer isso com todos os animais da Terra, menos com um dos mais frágeis de todos, nós mesmos.

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A origem do Halloween e do Dia dos Mortos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/31/a-origem-do-halloween-e-do-dia-dos-mortos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/31/a-origem-do-halloween-e-do-dia-dos-mortos/#respond Fri, 31 Oct 2014 12:22:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=62 Muitas crianças adoram o Halloween porque é uma data divertida, com fantasias, atividades lúdicas e doces, muitos doces. Apesar de não ser uma festividade brasileira, clubes e escolas organizam eventos de Halloween. Perguntei a uma amiga, que estava levando as crianças para um evento desses, o que elas pensavam que era o significado desse dia. Ela disse que o viam como uma festa como o Carnaval. A intuição das crianças faz sentido, porque além de terem o uso da fantasia em comum, Carnaval quer dizer “adeus à carne”, que pode ser relacionado, de certa forma, à celebração da morte.

O Halloween é uma festividade realizada, no dia 31 de outubro, pelos povos de língua inglesa, como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Irlanda. Ele ocorre um dia antes do Dia de Todos os Santos e dizem que seu nome é inspirado daí: All Hallow´s Eve, que significa “véspera de todos os santos”. Outra possibilidade para a origem do nome é Hallow Eve – noite sagrada, comemorada na cultura celta.

 A teoria mais aceita diz que a tradição do Haloween tem origem no ritual celta Samhaim. É um ritual de ano novo, onde se comemora a passagem do ano e o início do inverno (início de novembro no hemisfério Norte). Nessa data, acreditava-se que os mortos retornavam para visitar seus familiares e buscar alimento. Segundo esse pensamento, o Samhain teria sobrevivido à cristianização na forma do Halloween.

Atualmente, o evento é marcado por fantasias, decorações envolvendo abóboras, velas e doces. Crianças passam nas casas vizinhas perguntando se o morador prefere “doçuras ou travessuras” e normalmente recebem doces de presente. Uma possível origem para esse costume está na Idade Média, quando as crianças iam pedindo um bolo (chamado de bolo da alma) e em troca faziam uma oração para os familiares de quem recebiam o bolo.

 O uso de fantasias seria uma forma de evitar o reconhecimento por espíritos que vagam o mundo dos vivos nesse dia.

 E a origem da abóbora estaria vinculada a uma lenda irlandesa, sobre um homem chamado Jack. Alcoólatra grosseiro, ele teria se encontrado sem dinheiro para pagar sua bebida e fez um pacto com o diabo que se transformou numa moeda. Ao morrer, Jack não foi aceito no céu nem no inferno, pois o diabo se sentiu traído por ele. Mas o diabo entregou uma brasa para que Jack iluminasse seu caminho pelo limbo. Jack guardou a brasa num nabo, para durar mais. Quando os Irlandeses chegaram na América do Norte, essa “lanterna” foi transformada numa abóbora, pois era mais abundante do que nabos. É muito bonitinho ver uma foto da família americana toda reunida em volta de uma abóbora, contornando feições humanas com estilete, sem saber que, no fundo, ela representa uma lanterna para iluminar o caminho de uma pobre alma penada presa no limbo. Só como garantia, já fiquei com vontade de fazer uma dessas.

 O Dia do Saci Pererê, em 31 de outubro, é um projeto de lei federal que surgiu como uma crítica à importação dos costumes americanos no Brasil, enaltecendo o folclore nacional no lugar de festividades como o Halloween. Apesar de alguns esforços, não é uma ocasião muito comemorada como tal.

Dia dos mortos – México

 No México, o Dia dos Mortos é comemorado em 2 de novembro, numa festividade que se inicia em 31 de outubro. Celebra-se a vinda dos mortos para visitar seus parentes e recebê-los é motivo de festa nesse país. Há bolos, caveiras de açúcar – que normalmente têm o nome dos defuntos, música e flores coloridas. As almas das crianças viriam visitar no dia 1° de novembro e as dos adultos, no dia 2.

Antes da colonização espanhola, os mexicanos acreditavam que o futuro dos mortos era definido pelo tipo de morte que tiveram e não pelo comportamento em vida, como acredita a Igreja Católica, com a noção de céu e inferno. Assim, para esse povo, a alma iria a um mundo específico de acordo com o tipo morte. Por exemplo, quem morreu de algo relacionado á água, como afogamento, iria para o paraíso Tialoc, Deus da Chuva. E quem morria em combate, iria para o paraíso do sol, governado pelo Deus da Guerra, Huitzilopochtli. A celebração da festa dos mortos era feita por volta de 5 de agosto. Mas quando os espanhóis chegaram, fizeram com que coincidisse com os rituais católicos do Dia de Todos os Santos e Dia dos Fiéis Defuntos, também conhecido como Dia de Finados, 2 de novembro.

Muitas famílias passam a noite no cemitério, enfeitam túmulos e levam comida. A decoração é típica e cheia de significado. O personagem mais importante é a La Catrina, figura de um esqueleto feminino, usando um chapéu grande. O adorno simboliza as mulheres da alta sociedade e a lembrança de que, na morte, todos são iguais. A neutralização das distinções sociais já foi rapidamente comentada nesse blog, no post: O que os mortos falam.

Um leitor, Fabio Storino, me recomendou uma animação, de três minutos, sobre o Dia dos Mortos e a perda, que vale a pena ser conferida.

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